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Brasil: entre a corrupção e o processo eleitoral

von Humberto Dantas

BRASIL EM FOCO

A corrupção voltou à cena na política nacional em um novo grande escândalo. Um dos principais líderes da oposição está envolvido em um caso comprometedor de submissão a um empresário que se encontra detido. Ademais, ministros do governo federal são acusados de ilicitudes. A despeito dos fatos negativos, o governo bate recordes de popularidade e as eleições municipais levam os partidos a reverem alguns posicionamentos, sobretudos aqueles relacionados ao fato de substituírem as acusações que costumam manchar a frágil credibilidade da classe política por uma pauta positiva que lhes renda votos.

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Os círculos viciosos da política brasileira

O senador goiano Demóstenes Torres é membro do Ministério Público estadual e foi eleito pela primeira vez em 2002 com cerca de 1,2 milhão de votos. Em 2006 tentou ser governador de Goiás, mas fracassou, terminando em quarto lugar com 3,5% dos votos válidos. Em 2010, Torres foi reeleito para um novo mandato de oito anos no Senado com quase o dobro de sua primeira votação: 2,2 milhões de votos. Ao longo de seu primeiro mandato tornou-se um enérgico líder da oposição, acusando de forma veemente o governo federal em uma série de casos de corrupção.

Em 2007, como membro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a crise aérea nacional, chegou a declarar que a “corrupção é um negócio suprapartidário. Os malandros estão em todos os governos e, às vezes, migram de um governo para outro”. Ao longo das últimas semanas, em uma operação da Polícia Federal, Torres foi acusado de defender os interesses do empresário goiano Carlos Augusto de Almeida Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira, contraventor detido em presídio federal no Rio Grande do Norte e movimentador da indústria de jogos de azar – prática proibida no Brasil. Como de costume, o Democratas, partido pelo qual se elegeu, forçou sua desfiliação da legenda após cobrar-lhe explicações consistentes sobre seu envolvimento no caso. Outro exemplo marcante dessa reação partidária está relacionado ao afastamento do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, em dezembro de 2009, após envolvimento em escândalo onde foi filmado recebendo dinheiro ilícito.

Demóstenes Torres parece seguir os caminhos do fenômeno que descreveu. Em 2004, Carlinhos Cachoeira teve seu nome envolvido em escândalo que incluía Waldomiro Diniz, à época assessor de José Dirceu (PT), ministro-chefe da Casa Civil do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O caso findou associado a uma série de outras acusações que mergulhou a presidência na maior crise dos oitos anos de mandato de Lula. A soma dos fatos transformou, à época, o senador Demóstenes Torres em um dos mais contundentes acusadores do governo, e um dos grandes adversários políticos do Partido dos Trabalhadores.

Dado o clima de vingança, as acusações iniciais contra Torres arrefeceram os tradicionais ímpetos corporativistas que costumam vigorar no Congresso Nacional brasileiro. O protecionismo deu lugar ao tom de revanche, sobretudo porque as investigações da polícia federal também apontam para o governador goiano Marconi Perillo (PSDB), outro enérgico líder da oposição enquanto ocupou vaga no Senado. E logo as denúncias recaíram também sobre políticos situacionistas do plano nacional. Deputados federais do PT, do PSDB, do PP, do PPS e do PMDB foram arrolados entre os acusados, mesclando posicionamentos. Além disso, o governador do Distrito Federal, ex-ministro dos Esportes e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão ligado ao Ministério da Saúde, também foi envolvido. Agnelo Queiroz é do PT, partido da presidente da República. Assim, o “suprapartidarismo de Cachoeira” foi capaz de associar governo e oposição sob os interesses de uma única rede de negócios ilícitos. Destaque, nesse caso, para o fato de a construtora que representa, a Delta, ter sido a maior receptora de recursos federais desde 2009, somando quase R$ 1 bilhão apenas em 2011.

Diante do amplo leque de posicionamento dos envolvidos, as principais lideranças do Congresso Nacional passaram a apostar em um esfriamento de parte expressiva dos ímpetos acusadores. Até mesmo os partidos que apostavam que ganhariam mais do que perderiam com o rumo dos acontecimentos voltaram atrás em seus discursos. O problema é que os nomes envolvidos nas acusações foram surgindo em ritmo mais lento do que a coleta de assinaturas para a abertura de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que deverá investigar o caso no Senado e na Câmara dos Deputados. Instalado o processo legislativo de investigação, há quem aposte que tudo se resumirá, como historicamente temos notado no Brasil, na escolha de um bode expiatório e na absolvição de parte expressiva dos nomes apontados. O escolhido, nesse caso, seria o senador Demóstenes Torres. Agnelo Queiroz (PT) e Marconi Perillo (PSDB) poderiam ser “absolvidos” por um imenso pacto entre grupos rivais, apesar de o calor dos fatos presentes não transmitir tal sensação. Pouco se espera, no entanto, que diante de bases governistas consistentes em seus estados os governadores citados tenham que prestar esclarecimentos diante de deputados estaduais de suas unidades federativas. O risco maior, nesse caso, é de intervenção do governo federal em Brasília, tese arrefecida pelo fato de Dilma e Queiroz serem do PT.

A exemplo do empresário Marcos Valério, acusado desde 2005 de movimentar um esquema conhecido como mensalão no governo de Lula (PT), e manter relação com o então senador, e hoje deputado federal mineiro, Eduardo Azeredo (PSDB), Carlinhos Cachoeira notabiliza-se como um desses personagens da perseverante cena da corrupção brasileira que ao unir partidos adversários fecha um círculo vicioso que tende a inocentar, ou arrefecer a ponto de se tornar esquecida, parte expressiva de seus membros. Não nos parece, nesse momento, possível esperar algo significativamente exemplar em termos de punição no Congresso Nacional e na classe política como um todo. O ano eleitoral desacelera ainda mais o debate, uma vez que no país o fortalecimento da associação entre corrupção e política no seio da opinião pública não costuma agradar os partidos e suas lideranças em períodos de disputas pelo voto.

A corrupção num governo federal aprovado pelo povo

O escândalo envolvendo Carlinhos Cachoeira e seus “clientes políticos” fez com que o país deixasse em segundo plano, ao menos por enquanto, uma série de denúncias que insistem em perturbar o governo federal. O gabinete de Dilma Rousseff continua tendo parte de seus membros envolvidos em acusações. Recentes ocorrências contra a ministra das Relações Institucionais, a catarinense Ideli Salvatti, dão conta de seu envolvimento em compra ilegal de 28 lanchas para o Ministério da Pesca, pasta ocupada pela política nos primeiros meses do governo Dilma. A questão, no entanto, não é simples. A empresa vencedora da licitação das embarcações foi criada pouco tempo antes do processo por um membro fundador do Partido dos Trabalhadores, legenda de Ideli. O preço praticado, acusa um empresário desqualificado no processo, era muito superior ao praticado no mercado e as especificações do produto adquirido favoreciam acintosamente a empresa ganhadora. A firma que venceu doou R$ 150 mil para o PT de Santa Catarina em 2010 e 23 lanchas estão encostadas faz dois anos na fabricante, sem nunca terem sido utilizadas por um ministério que sequer tinha a prerrogativa para realizar tal aquisição. Ideli Salvatti se defende afirmando que não era ministra da Pesca no momento da compra, que apenas assinou um das parcelas finais do pagamento e que não se beneficiou do esquema desvendado. Partidos de oposição, no entanto, lembram que o ministério sempre esteve sob a responsabilidade do PT de Santa Catarina e que a doação feita ao diretório estadual da legenda foi repassada integralmente à campanha derrotada de Ideli ao governo catarinense em 2010, que teve no seu partido o principal financiador de sua frustrada investida eleitoral.

Soma-se às denúncias contra o esquema do Ministério da Pesca, o silêncio do governo federal sobre o envolvimento do Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o mineiro Fernando Pimentel (PT), em consultorias que teriam sido prestadas sob a lógica do tráfico de influências no período anterior à sua nomeação. Além dele, Fernando Bezerra Coelho, ministro da Integração Nacional, foi acusado de beneficiar familiares em contratações e destinação de recursos para obras públicas. Nesse caso, o interesse do governo federal em alianças estratégicas com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), sua legenda, desmobilizam o ímpeto do movimento de limpeza promovido por Dilma Rousseff e chamado de Faxina Ética. Nos dois outros exemplos, a presidente parece pouco disposta a punir membros de seu próprio partido. Quem não está satisfeito com o tratamento diferenciado ofertado aos membros do PT e do PSB é o restante da base aliada no Congresso Nacional – destaque para PMDB, PR, PDT e PC do B. Reclamações públicas e gestos de ameaças à rejeição ou atraso na apreciação de temas de interesse do Palácio do Planalto no Legislativo têm se tornado fenômeno comum.

A despeito de tal cenário, é necessário lembrarmos duas questões relevantes: a) a divulgação de uma nova rodada de pesquisa acerca da popularidade da presidente da República mostram índices de aprovação expressivos e; b) estamos em ano de eleições municipais, e tal fenômeno tende a apaziguar ânimos em nome de alianças para a disputa de prefeituras estratégicas nos planos políticos nacionais e estaduais.

Com relação às pesquisas de opinião pública, Dilma Rousseff atingiu novo recorde de aprovação, sobretudo quando comparada, em igual período de governo, aos seus antecessores – Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Para 77% dos brasileiros o governo da presidente agrada, índice cinco pontos percentuais acima do levantamento anterior. A confiança dos brasileiros em sua governante maior atinge 72%, sendo que as principais críticas recaem sobre a cobrança elevada de impostos, saúde e segurança pública. Especialistas entendem que os números positivos são sustentados por seu estilo firme, admirado por parcelas da sociedade, e pelas condições positivas do cenário econômico no cotidiano do trabalhador. Alheios às análises de longo prazo que apontam turbulências no mercado que podem afetar o país, os brasileiros comemoram baixos índices de desemprego, aumento significativo do salário mínimo e manutenção de programas sociais relevantes. Não atentam, por exemplo, para a incapacidade de o governo investir em reformas institucionais como aquelas necessárias no sistema previdenciário e na área tributária. Estímulos à indústria e às empresas de maneira geral, por exemplo, têm sido ofertados por períodos curtos e privilegiando aqueles setores que parecem ter maior habilidade para negociar com o Ministério da Fazenda. Áreas de negócios que não são agraciados pelo poder federal já demonstram descontentamento.

As eleições de 2012 e a relação governista

Com relação à segunda questão relevante, no que diz respeito à política municipal, esse ano o Brasil realizará eleições para a escolha de prefeitos e vices em seus 5.565 municípios. Além disso, serão eleitos cerca de 60.000 vereadores, num mínimo de nove e num máximo de 55 por cidade. Trata-se de um processo que movimenta, simultaneamente, mais de 130 milhões de eleitores e aproximadamente 400 mil candidatos – número esperado para esse ano. A disputa é considerada uma das maiores do mundo. Nela, os 29 partidos costumam se aliar dos mais diferentes modos pelos municípios brasileiros. Importante salientar que as legendas detêm, no Brasil, o monopólio das candidaturas. Isso representa dizer que não há possibilidade de nomes se apresentarem de forma independente ao eleitorado. Não existe, entretanto, como esperar que os partidos políticos controlem a presença de seus filiados em cerca de 4,5 mil municípios (número médio de cidades onde os principais partidos estão presentes) concomitantemente. Assim, é de se esperar que as mais diferentes alianças ocorram, uma vez que nas disputas para prefeito dois candidatos costumam polarizar os principais apoios. Assim, se por um lado, no plano federal, legendas como o PT e o PSDB rivalizam, movimento repetido em boa parte dos estados, nas cidades o mesmo não ocorre. Em 2008, por exemplo, os dois estiveram juntos, em torno de um mesmo candidato, em mais de 1.000 cidades brasileiras, número que vem crescendo em relação aos pleitos municipais anteriores (2000, 2004 e 2008). Tal movimento guarda relação com a capilaridade dos partidos. Quanto mais presentes nas cidades, maiores as chances de as legendas perderem controle sobre seus diretórios.

Diante desse fenômeno, as instituições nacionais dos partidos findam priorizando algumas cidades consideradas estratégicas. Enquanto alguns olham os maiores eleitorados, outros buscam apoio para conquistas relevantes em bases regionais de seus principais políticos. Para tanto, muitos se aproximam de governos estaduais e do poder federal buscando espaços que possam ser transformados em recursos para campanhas. Em certos casos, tais movimentos findam resultando na montagem de esquemas de corrupção para canalizar dinheiro público para candidaturas. Em Brasília, por exemplo, o mês de março marcou o rompimento entre o Partido da República (PR) e o governo Dilma Rousseff (PT). Varrida do Ministério dos Transportes, a legenda sentiu-se desprestigiada pela forma como foi tratada após ser acusada de corrupção na pasta. Três semanas depois do ápice do conflito, o partido que chegou a declarar sua ida para a oposição no Senado, juntou-se em um bloco ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que havia apoiado José Serra na corrida presidencial em 2010, e declarou que está de volta à situação. Tal movimento, certamente, guarda absoluta relação com o aumento de força nos pleitos municipais.

De volta à lógica eleitoral das cidades, destaque para a mais importante delas: São Paulo. A capital do estado que tem o mesmo nome possui o maior eleitorado do Brasil com 8,5 milhões de cidadãos - o equivalente a 6,3% do total do país - responde por 9% do PIB da nação e possui o terceiro maior orçamento público nacional, à frente de estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais, e atrás apenas do orçamento paulista e brasileiro.

Na capital paulista três candidatos merecem destaque. São eles: José Serra (PSDB), Fernando Haddad (PT) e Gabriel Chalita (PMDB). O primeiro foi derrotado nas eleições presidenciais de 2002 e 2010, tendo governado a cidade entre 2004 e 2006 (deixou o mandato pela metade para o vice Gilberto Kassab para concorrer ao governo estadual) e o estado entre 2007 e 2010. Sua demora em colocar seu nome na corrida possibilitou o início de um processo de prévias para a escolha do candidato do PSDB entre quatro outros nomes. O movimento chegou a empolgar o partido, mas Serra resolveu ignorar recentes declarações de que não participaria do processo e ingressou na disputa. Muitos imaginaram que sua entrada encerraria automaticamente as prévias, mas dois dos quatro concorrentes mantiveram suas posições de concorrer. As prévias tiveram então suas regras alteradas para a entrada do novo postulante. Inscrito após o prazo final de adesão e com nova data marcada para as votações, Serra foi escolhido por 52% dos cerca de seis mil filiados que compareceram às votações – 30% do total de me mbros aptos. O resultado e o comparecimento foram vistos como derrotas, uma vez que a mobilização foi entendida como pequena e a vantagem de um político experiente sobre seus adversários menos expressivos foi vista como decepcionante.

No PT, Fernando Haddad, ex-ministro da Educação, foi nome indicado por Luiz Inácio Lula da Silva à revelia de parcelas municipais e estaduais do partido. Com o tratamento médico do ex-presidente e a saída de Haddad do governo federal, sua pré-candidatura ainda não entusiasmou os cerca de 30% de eleitores paulistanos que historicamente costumam embarcar nas campanhas petistas. Espera-se, no entanto, que a melhora no estado de saúde de Lula e sua capacidade de aglutinação política alavanquem o ex-ministro no médio prazo.

Por fim, Gabriel Chalita (PMDB) é candidato apoiado pelo vice-presidente da República, o paulista Michel Temer, que garantiu não ceder espaço para o desejo de o PT contar com a legenda em sua chapa. Chalita, que no início da década foi secretário da Educação do governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), elegeu-se vereador paulistano com votação expressiva em 2008, e no meio do mandato, deixou o PSDB, migrou para o PSB e elegeu-se deputado federal em 2010 com relevante apoio do eleitorado. Em 2011, em nova debandada partidária, rumou para o PMDB e lançou-se pré-candidato ao governo municipal. Jovem, bem apessoado, Chalita ocupou lugar de destaque em emissoras católicas de rádio e TV com programas de autoajuda. Seu maior orgulho é ter escrito cerca de 50 livros e lecionar em renomadas instituições de educação superior religiosas. Seu carisma, e seu desejo de falar de amor destoam da forma como deixa seus ex-partidos. Do PSDB, por exemplo, foi embora acusando José Serra, seu inimigo pessoal, de não lhe dar a devida atenção. Atualmente, Serra lidera as pesquisas de opinião pública, enquanto Chalita e Haddad ainda aparecem atrás de outros candidatos menos expressivos em termos partidários e eleitorais.

Nos Estados os partidos também tentam agir sobre as realidades mais estratégicas, algumas delas observadas com atenção pelo plano nacional – casos de Rio de Janeiro (RJ) e Belo Horizonte (MG), onde parte dos analistas aposta na reeleição de Eduardo Paes (PMDB-RJ) e Marcio Lacerda (PSB-MG). Mas é possível esperar que em localidades menos populosas e mais afastadas dos grandes centros as associações entre as legendas respeitem questões mais locais, a despeito de alinhamentos estaduais e federais. As eleições ocorrem no primeiro domingo de outubro e nas cidades com mais de 200 mil eleitores existe a possibilidade legal de haver segundo turno entre os dois primeiros colocados, no último domingo de outubro, caso o primeiro não conquiste mais da metade dos votos válidos. Existem atualmente no Brasil, menos de 90 municípios nessas condições, ou seja, no primeiro domingo de outubro desse ano teremos definidos mais de 98% dos prefeitos brasileiros, seus vices e os legisladores locais.

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