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Relatórios dos países

Brasil e Paraguai

Síntese histórica

O Paraguai é um país estratégico para a política externa do Brasil. Sua importância remonta ao período colonial, quando os portugueses encontraram obstáculo para seu expansionismo, na região centro-oeste, nos fortes da Província do Paraguai.

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1 – Do distanciamento à guerra

O Paraguai é um país estratégico para a política externa do Brasil. Sua importância remonta ao período colonial, quando os portugueses encontraram obstáculo para seu expansionismo, na região centro-oeste, nos fortes da Província do Paraguai - a Província Gigante de Índias. Após as independências paraguaia e brasileira, os dois novos Estados inicialmente mantiveram-se distantes pois o Paraguai isolou-se, até o início da década de 1840, para resistir às pretensões de Buenos Aires de construir, no espaço geográfico do Vice-Reino do Rio da Prata, um Estado Nacional sob sua hegemonia. Já o Império do Brasil somente na década de 1840 consolidou-se e passou a ter uma política externa ativa.

Não houve, na década de 1820, um reconhecimento formal da independência paraguaia por parte do Império, mas ele ocorreu de fato com o envio de Manuel Correa da Câmara para desempenhar as funções de Cônsul e Agente Comercial em Assunção e, em seguida, para o cargo de Encarregado de Negócios. Câmara não chegou a assumir esta função, mas na de Cônsul teve, em agosto de 1825, audiência com o governante José Gaspar Rodríguez de Francia. Na ocasião, trataram da questão de limites e o Ditador Perpétuo – título oficial de Francia – defendeu que eles fossem definidos pela aplicação do Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, assinado entre as Coroas espanhola e portuguesa. Francia não considerava o critério do uti possidet facto pois, se aplicado, o território caberia ao país que nele tivesse agentes oficiais ou cidadãos instalados, o que significaria ser brasileira a área à margem direito do Alto Paraguai até o rio Jaurú.

Desde 1829 e até o início da década de 1840, não ocorreram contatos oficiais entre os governos paraguaio e brasileiro. Francia isolou o Paraguai, como forma de manter seu poder ditatorial bem como a independência do Paraguai em relação a Buenos Aires, enquanto no Brasil, após a abdicação forçada de Pedro I em 1831, sucederam-se as lutas internas, facilitadas pelo fato de o príncipe herdeiro, futuro Pedro II, ser menor de idade e não poder assumir o Trono. Em 1840 as elites brasileiras chegaram a um acordo para manter a ordem social e política e anteciparam a maioridade de Pedro II; consolidou-se nessa década o Estado Monárquico. No final dos anos 1840, o Império tinha definido seus objetivos principais no Rio da Prata: a contenção da influência de Buenos Aires na região; a manutenção da livre navegação para navios brasileiros dos rios internacionais, pois o acesso mais fácil à isolada província de Mato Grosso era pela navegação dos rios Paraná e Paraguai, e a adoção do critério do uti possidetis facto para a definição de limites.

Francia morreu em 1840 e teve fim a política de isolamento externo do Paraguai, que passou a ser governado, também ditatorialmente, por Carlos Antonio López, um membro da nascente burguesia rural, interessada na exportação de produtos agrícolas e couros. A abertura do país para o comércio externo exigia o seu reconhecimento de Estado soberano por outras nações e, para tanto, em 1842 foi proclamada formalmente a independência paraguaia. O Brasil reconheceu-a em 1844 e as representações diplomáticas brasileiras na Europa fizeram gestões para que países europeus fizessem o mesmo, pois o Paraguai não possuía representantes no Velho Continente.

Durante a década de 1840, a diplomacia imperial atuou para isolar Juan Manuel de Rosas, governador de Buenos Aires e ditador de fato da Confederação Argentina, pois os governantes brasileiros tinham-no como ameaça, o mesmo ocorrendo com os governantes paraguaios, pela recusa rosista em reconhecer a independência paraguaia. A necessidade de se posicionarem contra esse inimigo comum, fez com que o Império e o Paraguai deixassem suspenso o assunto da definição de limites. No entanto, em 1852 Rosas foi derrubado por uma aliança militar entre as províncias de Entre Ríos, Corrientes e os governos uruguaio e brasileiro e, em seguida, a Confederação Argentina reconheceu a independência paraguaia. Ressurgiu, então, a divergência quanto a definição de fronteiras entre os governos brasileiro e paraguaio, baseando-se este em documentos coloniais para pleitear que o rio Branco fosse o limite fronteiriço, enquanto o governo imperial, recorrendo ao uti possidetis facto, defendeu que fosse o rio Apa. Carlos Antonio López tentou condicionar a livre navegação do rio Paraguai por embarcações de bandeira brasileira à aceitação pelo Brasil do limite fronteiriço no rio Branco. No entanto, frente à forte reação contrária do Império, inclusive com a ameaça do uso da força, o governo paraguaio cedeu na livre navegação e os dois países assinaram, em 1856, uma moratória de seis anos na definição das fronteiras. Também com a Confederação Argentina foi assinada idêntica moratória por Carlos Antonio López.

Em 1862, quando venciam essas moratórias, ocorreram importantes mudanças políticas nos países da região do Rio da Prata. No Brasil onde se praticava uma espécie de parlamentarismo – o resultado das eleições era frequentemente manipulado – os liberais ascenderam ao poder, após duas décadas de seu domínio pelo Partido Conservador; na Argentina saiu vitorioso o projeto, da elite de Buenos Aires, de um Estado centralizado – o qual ainda sofreu contestação por uma década - e no Paraguai morreu Carlos Antonio López, que foi sucedido por um de seus filhos, Francisco Solano López. Essas inseriam-se em um contexto regional complexo, tendo como pano de fundo as articulações em torno da consolidação dos Estados Nacionais na região, cujos detalhes não cabem no espaço deste artigo, mas pode-se ter acesso a eles nos trabalhos acadêmicos que trataram das origens da guerra, principalmente aqueles produzidos a partir de meados da década de 1990. Cabe, porém, destacar que a união entre o Império e a Argentina contra o Paraguai na Tríplice Aliança – o Uruguai era o outro membro – rompeu com uma das diretrizes da política brasileira para o Prata, a da contenção de Buenos Aires. Esta diretriz permaneceu na estratégia diplomática brasileira mesmo depois da queda de Rosas, para evitar que ao sul surgisse uma grande república sob a liderança de Buenos Aires, composta pelas províncias argentinas e incorporando Paraguai e Uruguai, a qual constituiria ameaça à integridade territorial brasileira, quer militarmente, quer ao nacionalizar os rios Paraná e Paraguai. Para promover essa contenção, a diplomacia imperial buscava manter boas relações com o Paraguai e com os colorados no Uruguai, que também eram favoráveis à livre navegação. Nessas circunstâncias, foi desastrosa a decisão de Solano López de invadir Mato Grosso, em dezembro de 1864, e Corrientes, em abril de 1865, o que levou à aliança entre dois rivais, o Rio de Janeiro e Buenos Aires, contra si.

O Tratado da Tríplice Aliança, assinado em 1º de maio de 1865, em Buenos Aires, por representantes da Argentina, Brasil e Uruguai, criou uma aliança militar para enfrentar o inimigo comum. Ela também estabeleceu as condições – inclusive as futuras fronteiras do Paraguai com a Argentina e o Brasil - para a assinatura de um só acordo de paz entre os aliados e governo paraguaio que sucedesse o de Solano López, o qual deveria sair do poder e do país. Os termos do Tratado foram criticados por membros do Partido Conservador brasileiro, oposicionista, no Conselho de Estado, especialmente quanto à cessão do Chaco à Argentina, até o Mato Grosso. Argumentavam que pouco sobraria de território ao Paraguai, o qual acabaria sendo anexado pela Argentina, o que ameaçaria a livre navegação do rio Paraguai e ampliaria a fronteira comum entre o Império e a Argentina, facilitando a esta atacar o Mato Grosso. A duração da guerra – quase cinco anos - agravou as desconfianças entre chefes militares e políticos brasileiros e argentinos. Em 1868, o Partido Conservador e Domingo Faustino Sarmiento, ambos desejosos de pôr fim com brevidade à aliança brasileiro-argentina, assumiram o poder no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. A preocupação dos conservadores brasileiros era de garantir a continuidade do Paraguai como Estado soberano, pois temiam que a destruição material e o despovoamento causado pela guerra no país resultassem em sua incorporação pela Argentina. Já o governo Sarmiento temia que o Império tivesse pretensões expansionistas sobre o Paraguai.

2 – A hegemonia brasileira

A guerra terminou em 1º de maio de 1870, com a morte de Francisco Solano López. No entanto, desde o ano anterior, havia um governo provisório na Assunção ocupada por forças aliadas, instalado por iniciativa brasileira após vencer a resistência à ideia por parte do governo Sarmiento. Entre 1870 e 1876, a diplomacia imperial atuou para evitar que o Chaco se tornasse argentino, como determinava o Tratado da Tríplice Aliança, e também para conter a influência argentina na política interna paraguaia. Na realidade, o Paraguai era quase um protetorado do Império, o qual mantinha uma Divisão de Exército em Assunção; assinou, em 1872, a paz em separado com o Paraguai – o que era proibido pelo Tratado de 1º de Maio – tendo como fronteira o rio Apa e interferiu na política interna paraguaia. Somente em 1876 foi assinado o acordo de paz entre Paraguai e Argentina, sendo a posse do Chaco submetida à arbitragem do presidente norte-americano Hayes, que declarou a soberania paraguaia desse território acima do rio Bermejo, para satisfação da diplomacia imperial.

Definida a fronteira argentino-paraguaia e ratificada a existência do Paraguai como Estado soberano, houve menor atenção da diplomacia imperial para com o país. Isso resultou não só dos objetivos alcançados mas, também, do enfraquecimento do Estado Monárquico brasileiro, que entrou em crise que levou à sua queda em 1889. O Paraguai manteve-se, porém, importante para a política externa brasileira e a influência argentina no país continuou a ser preocupação do Rio de Janeiro. Tanto foi assim, que no início da República brasileira o governo Floriano Peixoto interviu na política interna paraguaia, apoiando um golpe de Estado em 1894 no país, de modo a inviabilizar a candidatura presidencial – que possivelmente seria vitoriosa – de José Segundo Decoud, considerado pela diplomacia brasileira como favorável aos interesses argentinos.

3 – Perda e recuperação de influência

De todo modo, o domínio do Partido Colorado estava em decadência, assim como a capacidade brasileira de influenciar a situação paraguaia. Em 1904, a Revolução Liberal, apoiada pela Argentina, alijou o Partido Colorado do poder e, nas quatro décadas seguintes, o Paraguai tornou-se uma espécie de periferia econômica de Buenos Aires, tal qual as províncias argentinas do noroeste. A Argentina tinha estabilidade política desde o final do século XIX e encontrava-se em uma forte posição econômica e militar, superior à do Brasil.

Em 1902, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, assumiu o Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty – e permaneceu no cargo de Chanceler até sua morte, em 1912. Superada a instabilidade política e a crise financeira da primeira década republicana, o Brasil alcançara a estabilidade oligárquica; havia equacionado sua dívida externa e as finanças públicas eram beneficiadas pelo incremento da exportação de produtos primários. Rio Branco buscou recuperar a imagem e a influência externa brasileira e inovou em relação aos países vizinhos, estabelecendo a diretriz de não intervenção nos seus assuntos internos, independentemente da posição de seus governos quanto ao Brasil. Com isso, pretendia contribuir à estabilidade política dos países sul-americanos, muitos dos quais caracterizam-se pela instabilidade política - eram frequentes levantes armados e golpes de Estado – para evitar que a instabilidade pudesse servir de pretexto para a intervenção de grandes potências no continente. Rio Branco instruiu o representante brasileiro em Assunção, durante a Revolução de 1904, a apoiar as autoridades legalmente constituídas, mas sem preferências por qualquer um dos lados, adotando postura conciliatória, pois o “espetáculo da revolução triunfante é desmoralizador e desacredita nosso continente”. Essa preocupação também tinha sua motivação na própria realidade brasileira, pois há pouco a República brasileira sofrera com conflitos internos e, na Revolta da Armada (1893), ocorrera intervenção externa, ainda que a favor do governo Floriano Peixoto, por parte da Marinha norte-americana.

Na guerra civil de 1911, que opôs as duas correntes do Partido Liberal, os radicais e os cívicos, o governo brasileiro manteve o princípio do reconhecimento ao governo legal e de neutralidade nos assuntos internos paraguaios. Essa postura foi adotada em coordenação com o governo argentino, de Sáenz Peña, que adotou idêntica posição, evitando agravar a crise paraguaia por interferências externas. Essa postura comum foi possível porque, nesse momento, as relações entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires caracterizavam-se por grande cordialidade e havia interesse de ambos em defenderem seus cidadãos no país conflagrado e na livre navegação do rio Paraguai.

Essa ação conjunta foi, porém, pontual; a intensidade daquela cordialidade foi efêmera e a Argentina continuou a ser dominante no Paraguai, causando desconforto na diplomacia brasileira. Somente na década de 1920 é que as relações entre o Brasil e o Paraguai começaram a sair do marasmo, pois os governantes paraguaios desses anos, todos liberais radicais, buscaram, com discrição para não provocar reação argentina, aumentar seus vínculos com os Estados Unidos e o Brasil. Era um esforço para romper a estagnação econômica do Paraguai, pois sua dependência da Argentina não trouxera ganhos reais ao país, que continuava imerso na estagnação econômica e na pobreza.

Para alterar essa situação, era necessário romper o isolamento físico entre o Paraguai e o Brasil, pois inexistia ligação terrestre entre Assunção e os centros econômicos de São Paulo e Rio de Janeiro. Pensou-se em contruir uma ferrovia para fazer essa ligação, de modo a retirar do porto de Buenos Aires o quase monopólio do comércio externo paraguaio. Essa construção era antes um desejo do que um projeto factível, pois inexistiam condições políticas e financeiras para tanto, bem como comércio bilateral que a justificasse. Ademais, a República Oligárquica brasileira foi deposta em 1930 e o novo governo de Getúlio Vargas priorizou, no início dessa década, os assuntos internos, enquanto o Paraguai, por sua vez, teve de concentrar-se na defesa do Chaco, na guerra travada contra a Bolívia e na qual Assunção contou com apoio militar secreto da Argentina. No conflito, o governo Vargas manteve a neutralidade e, simultaneamente, relações amistosas com o presidente paraguaio Eusebio Ayala, embora o Brasil fosse acusado por alguns se tores políticos de ser simpático à Bolívia. A diplomacia brasileira atuou com firmeza para alcançar o cessar-fogo em 1935 e para que se alcançasse o sucesso nas negociações de paz, realizadas no ano seguinte em Buenos Aires, sob presidência do chanceler argentino Saavedra Lamas.

O presidente Eusebio Ayala foi deposto em 1936 e, com isso, se perderam os sigilosos avanços preliminares quanto a medidas concretas serem tomadas para aproximar Brasil e Paraguai, Essa aproximação viabilizou-se em 1939, com a ascensão à Presidência do embaixador paraguaio nos Estados Unidos e ex-comandante das forças paraguaias na Guerra do Chaco, general José Félix Estigarribia. Ele retornou a seu país eleito chefe de Estado e com a promessa do governo norte-americano de empréstimo – mais tarde concretizado - do Export-Import Bank, para a construção de uma rodovia desde Assunção até a fronteira com o Brasil. Em 1939, na passagem de Estigarribia pelo Rio de Janeiro, a caminho do Paraguai, Estigarribia reuniu-se com Vargas e ficou consolidada a decisão de tomar medidas de estreitamento nas relações entre os dois países.

O presidente Estigarribia morreu em 1940 em um acidente aéreo e foi substituído pelo general Higino Morínigo, que impôs uma ditadura e estreitou as relações com Getúlio Vargas, também ditador desde 1937. Essa aproximação contava com o beneplácito dos Estados Unidos, ao qual o aumento da influência regional brasileira servia de contrapeso à Argentina, onde havia forte influência nazista. Em junho de 1941, os chanceleres do Brasil e do Paraguai assinaram, no Rio de Janeiro, dez acordos com iniciativas concretas para a aproximação entre os dois países, como a cessão no porto de Santos, em São Paulo, de um depósito franco para o comércio paraguaio.

Getúlio Vargas fez uma bem sucedida visita a Assunção, em agosto de 1941, a primeira de um chefe de Estado brasileiro ao Paraguai. Dois anos depois, em 1943, o governo brasileiro cancelou a dívida de guerra paraguaia para com o Brasil, a qual resultava do conflito no século XIX e estava estabelecida no Tratado de Paz de 1872. A redemocratização do Brasil em 1946 e a adoção da diretriz de política externa da defesa da democracia liberal, esfriou as relações com o Paraguai. Morínigo obteve apoio da Argentina de Perón, o qual forneceu armas ao ditador paraguaio para enfrentar e vencer a Revolução de 1948, em que liberais, comunistas, febreristas e boa parte do Exército paraguaio exigiam o fim do regime ditatorial. Enquanto isso, a ação diplomática do Brasil tentou obter um cessar-fogo que, se alcançado, enfraqueceria o poder de Morínigo. Esse distanciamento político entre Dutra e Morínigo não comprometeu, porém, os programas de cooperação cultural, militar e de comunicações, em vigor há poucos anos entre os dois países.

Morínigo foi deposto em junho de 1948 e, após um período de instabilidade, o colorado Federico Cháves assumiu a Presidência da República em setembro de 1949, nela permanecendo até junho de 1954. A presença política e comercial brasileira no Paraguai estava muito aquém daquela da Argentina, cujo momento de maior influência no Paraguai foi em 1953, com a assinatura de um acordo de união aduaneira entre os dois países. Por este a economia paraguaia tornar-se-ia, na prática, uma extensão daquela da Argentina. No entanto, Cháves também tentou estreitar os laços com o Brasil, talvez para contrabalançar a influência argentina no seu país, e propôs a construção da rodovia ligando Foz do Iguaçu a Coronel Oviedo, sendo que esta cidade já tinha ligação rodoviária com Assunção. Em abril de 1954 prepava-se um encontro entre os presidentes Vargas e Cháves para tratar desse assunto, a ser realizado em 21 ou 28 de maio em Pedro Juan Caballero. No entanto, em 4 maio de 1954 o presidente Cháves foi deposto por um golpe militar liderado pelo general Alfredo Stroessner, o qual era favorável, no plano externo, a priorizar as relações com o Brasil.

4 - A recuperação da influência brasileira e a construção de uma nova relação

A longa ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) manteve estreitas relações com governos brasileiros, tanto os democráticos quanto os ditatoriais. Essa cordialidade foi mais uma demonstração da orientação permanente da política externa brasileira em relação ao Paraguai, no sentido de liberá-lo da dependência geopolítica da Argentina e de contribuir para a estabilidade política paraguaia, sem questionar o caráter do seu governo.

O comércio externo paraguaio foi liberado de sua histórica dependência da saída pelo Rio da Prata, por Buenos Aires, ao ser inaugurada a Ponte da Amizade, em 1965, e asfaltada a rodovia entre Foz do Iguaçu e o porto de Paranaguá, em 1969. As divergências entre Brasil e Paraguai quanto a linha exata da fronteira teve sua solução encaminhada pela assinatura, em 1966, da Ata das Cataratas, que estabeleceu o condomínio dos dois países no aproveitamento hidrelétrico no rio Paraná, desde o Salto Grande de Sete Quedas até a foz do rio Iguaçu, viabilizando a construção da usina binacional de Itaipu, conforme Tratado assinado em 1973. Com esta, verdadeira obra de engenharia política, constituída em duras negociações bilaterais, o Paraguai obteve uma injeção líquida de recursos financeiros – o país não arcou com qualquer custo na sua construção - que impactou favoravelmente sua economia. Nos setes anos da construção de Itaipu (1975-1982) e como resultado, basicamente, da injeção de dinheiro externo na economia paraguaia proveniente dessa obra (gastos com contratação de mão-de-obra paraguaia, material de construção, a parceria com empresas paraguaias, etc.), a renda per capita paraguaia mais do que triplicou, passando de US$ 463,00 em 1975 para US$ 1.534 em 1982, o que contribuiu para Stroessner fortalecer-se no poder. Desde então instalaram-se no Paraguai instituições bancárias brasileiras; e as necessidades do país de manufaturados e alimentos industrializados passara a ser atendidas, em grande parte, por produtos fabricados no Brasil, e, no campo, houve a instalação de brasileiros, no início de pequenos e médios proprietários atraídos pelo baixo preço da terra no Alto Paraná.

As redemocratizações da Argentina, Brasil e Uruguai nos primeiros anos da década de 1980 contrastavam com a continuidade da ditadura stronista. A postura do governo José Sarney em relação a Stroessner permaneceu amistosa, devido aos grandes interesses do Brasil no país, ao contrário do governo Alfonsín, que esfriou as relações da Argentina com a ditadura paraguaia. Sarney e Stroessner encontraram-se em outubro de 1985, por ocasião da entrada em operação da terceira turbina da hidrelétrica de Itaipu e novamente em 1987, quando entraram em operação duas outras, mas na ciclagem de 60 hz., utilizada pelo Paraguai. Nessas ocasiões, em resposta a comentários em favor da democracia por Sarney, respondia Stroessner que seu país “era uma democracia sólida, como provavam os altíssimos níveis de apoio popular observados”. Tratava-se, claro, de eleições fraudadas e organizadas sem liberdade, organização e manifestação política.

Mesmo contando com a tolerância da política externa brasileira, a ditadura de Stroessner se isolou no plano internacional e, além disso, não mais pode arrancar concessões para seu regime mediante a exploração da rivalidade entre Brasil e Argentina em torno da influência no Brasil. Essa rivalidade, porém, foi superada nos governos Alfonsín e Sarney e as diplomacias brasileiras passaram a trabalhar no processo de integração econômica e de cooperação política. Em fevereiro de 1989, Stroessner foi deposto por um golpe palaciano liderado pelo general Andrés Rodríguez, que convocou eleições competitivas para 1º de maio e nelas foi eleito para um mandato presidencial que terminou em agosto de 1993. Sincronizado com a realidade democrática de seus vizinhos, o Paraguai tornou-se parte do processo de integração regional e, juntamente com Argentina, Brasil e Uruguai, assinou, em 26 de março de 1991, tratado constituindo o Mercado Comum do Sul, o Mercosul, com o objetivo de promover a integração econômica entre seus participantes e com desdobramento de cooperação nos aspectos político e cultural.

Em 1993, em eleições presidenciais competitivas venceu o colorado Juan Carlos Wasmosy. Seu governo assinou com o do Brasil, em 1995, um novo Anexo ao Tratado de Itaipu, de modo a instalar uma cogestão administrativa plena da empresa. Em 1997 foi assinado um tratado sobre o pagamento da dívida contraída para a construção da represa – da qual instituições oficiais brasileiras são avalistas -, que deverá estar paga em 2023, gerando críticas em setores políticos paraguaios que indicam ser Itaipu um instrumento de exploração do Paraguai pelo Brasil. No plano político, o governo Fernando Henrique Cardoso contribuiu fortemente para a manutenção da democracia no Paraguai ao atuar decididamente contra a tentativa do comandante do Exército, general Lino Oviedo, de depor o presidente Wasmosy em abril de 1996. O presidente paraguaio, que estava informado das articulações de Oviedo, viajou secretamente a Brasília, pilotando seu próprio avião no início de noite e retornou a Assunção de madrugada. Na capital brasileira, Wasmosy obteve de Fernando Henrique Cardoso a garantia do apoio brasileiro para sustentar a ordem democrática paraguaia. De volta a Assunção, Wasmsoy demitiu Oviedo e este tentou derrubá-lo, mas foi contido por uma ação liderada pelo embaixador brasileiro em Assunção, articulado com os dos países do Mercosul e dos EUA. Essa tentativa de golpe influenciou na assinatura do Protocolo de Ushuaia, de 1998, de defesa de democracia no Mercosul, estabelecendo que a vigência de instituições democráticas nos países membros é fundamental para a manutenção do bloco.

A postura brasileira em defesa da democracia paraguaia se mostrou novamente na crise política paraguaia do ano 1999, no levante popular contra o presidente Cubas Grau, inclusive com mortes. Para evitar o agravamento da situação, Fernando Henrique Cardoso telefonou a Cubas Grau e convenceu-o a renunciar, garantindo-lhe asilo político no Brasil. Simultaneamente, a diplomacia brasileira defendeu publicamente a posse do sucessor constitucional, o presidente do Senado Luiz González Macchi, o que acabou ocorrendo. Este, por sua vez, enfrentou um levante de militares em maio do ano seguinte e recebeu apoio do Brasil e do Mercosul para manter a normalidade democrática.

Entre 2003 e 2011, a presidência brasileira foi ocupada por Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, o qual manteve relações com três governos paraguaios: de González Macchi, de Nicanor Duarte Frutos (2003-2008) e Fernando Lugo (iniciado em 2008). Nesse período, Lula da Silva fez seis visitas oficiais ao Paraguai e recebeu seus colegas paraguaios em Brasília em dez oportunidades; esses números demonstram quão intensas são as relações bilaterais, quer por ser o Brasil o maior parceiro comercial do Paraguai; quer pela importância de Itaipu para os dois países, quer pela presença física de milhares de brasileiros no território paraguaio – os “brasiguaios” – ou, ainda, pela presença de empresas brasileiras no país vizinho. Nesses oito anos, foi decidida a construção da segunda ponte sobre o rio Paraná, pois a Ponte da Amizade já exauriu sua capacidade de atender às necessidades do comércio bilateral e foi ampliada a cooperação técnica em diversas áreas. Um dos acontecimentos mais marcantes foi a aceitação pelo governo Lula da Silva de atender demandas paraguaias sobre o aumento do valor recebido pela venda, ao Brasil, da parte da energia gerada por Itaipu que cabe ao Paraguai mas não é por ele consumida.

Em 2008 foi eleito presidente o candidato de esquerda e ex-bispo católico Fernando Lugo, pela Alianza Patriótica para el Cambio, pondo fim a mais de cinco décadas de domínio do poder pelo Partido Colorado. Durante sua campanha eleitoral, ele apresentou como uma das bandeiras a recuperação da “soberania hidrelétrica”, em um discurso em que apresentava o Paraguai como vítima de tratados injustos por parte da Argentina e Brasil nas represas hidrelétricas binacionais de Yaciretá e Itaipu. A presidência de Lugo foi polêmica e frustrou os eleitores pelo não cumprimento de diversas promessas feitas durante a campanha eleitoral, além de tornar-se público aspecto de sua vida privada que abalou sua imagem junto à população. Nessa cirscunstância, ele radicalizou seu discurso de ser o Paraguai vítima de exploração em Itaipu e apresentou-se ao cidadão comum como paladino da defesa da soberania paraguaia. Afinal, se para o lado brasileiro Itaipu é uma usina hidrelétrica com a única função de gerar energia, para o lado paraguaio ela é vista como fonte de pagamentos de royalties, de recursos da venda ao Brasil da energia não consumida pelo Paraguai, de empregos bem remunerados e de doações para fins sociais. No Paraguai, Itaipu é vista como uma fonte desenvolvimento nacional e de ganhos, políticos e pessoais, por parte de governos e homens públicos. Uma ampliação de ganhos com Itaipu serviria para o governo Lugo financiar as promessas feitas por seu governo e, ainda, para recuperar sua popularidade pois seria uma vitória sobre o Brasil, jamais alcançada por seus antecessores colorados. Até então, a diplomacia brasileira se recusara a renegociar o Tratado de Itaipu sob os argumentos de que as pretensões não se justicavam e de que o documento se tratava de ato jurídico perfeito quanto ao Direito Internacional.

A área técnica do governo brasileiro e o Itamaraty posicionaram-se contra atender o pleito de Lugo, por julgarem-no improcedente; por ter consequências políticas prejudiciais ao Brasil e por encarecer o preço de energia para o consumidor brasileiro. No entanto, Lula da Silva ignorou essas negativas e optou por dar continuidade à sua política de apoiar governos ditos progressistas na região e, no caso de Lugo, isso poderia ser feito mediante a transferência de recursos de Itaipu. Em julho de 2009, após a cúpula do Mercosul em Assunção, o presidente brasileiro aceitou triplicar o pagamento ao Paraguai da cessão de energia e, ainda, a construir uma linha de transmissão de energia de 500 Kv entre Itaipu e Assunção, no valor calculado de US$ 450 milhões e sem custo para o país vizinho. A linha foi inaugurada em outubro de 2013, pela presidente Dilma Rousseff, ao custo final de US$ 550 milhões.

Em 22 de junho de 2012, Fernando Lugo foi destituído da Presidência pelo Senado paraguaio – 39 votos a favor e apenas 4 contrários – por “mau desempenho” na função, motivo explicitado na Constituição paraguaia. O espaço deste artigo não permite analisar o processo político que levou a esse desfecho, mas é necessário elucidar que os acontecimentos se deram de acordo com o arcabouço jurídico paraguaio, elaborado no período democrático. Também nesse caso, contudo, o governo brasileiro orientou-se pela convergência ideológica com Lugo e com os governos da Argentina e da Venezuela. A diplomacia da presidente Dilma Rousseff colocou-se a reboque das diplomacias argentina e venezuelana e apoiou a iniciativa destas de suspender o Paraguai do Mercosul, por um suposto rompimento da ordem democrática. No entanto, a destituição ocorreu na forma prevista pela Constituição paraguaia; a ordem constitucional foi mantida, ao ser empossado na Presidência o vice-presidente Federico Franco; continuaram a funcionar as instituições do Estado e não houve restrição às práticas democráticas, como a livre manifestação de ideias e de organização política. A suspensão paraguaia, por sua vez, foi utilizada pelos outros três países membros do Mercosul para incorporarem a Venezuela à organização. Há tempos este país solicitava o ingresso, que não fora aprovado unicamente pelo Senado paraguaio, onde a oposição a Lugo bloqueara a votação do pedido venezuelano. Para Celso Lafer, jurista e ex-chanceler do governo Fernando Henrique Cardoso, “a decisão de incorporar a Venezuela ao Mercosul, nos termos em que foi tomada é, de per se, uma ilegalidade agravada pela ilegalidade antecedente da suspensão do Paraguai do Mercosul”.

O Brasil congelou as relações políticas com o governo de Federico Franco, mantendo as atividades bilaterais de cooperação. As relações diplomáticas foram normalizadas com a eleição à Presidência do colorado Horácio Cartes, que tomou posse em agosto de 2013. Desde então, foi incrementada a cooperação bilateral; em outubro desse ano foi inaugurada a linha de transmissão de energia de Itaipu à subestação de Villa Hayes, próxima de Assunção e em dezembro de 2014 o ministro brasileiro dos Transportes assinou a ordem de serviço para a construção da segunda ponte sobre o rio Paraguai, entre as localidades de Foz do Iguaçu e Presidente Franco. A pauta bilateral é extensa, composta por um leque de temas que abrange da aplicação das leis paraguaias de proteção ao indíviduo aos cidadãos brasileiros que trabalham no campo paraguaio, passando pelo combate comum ao tráfico de armas e drogas que abastecem o crime organizado, principalmente no sudeste brasileiro e alcançando a solução harmoniosa de assuntos referentes a Itaipu.

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