Segundo semestre intenso no Congresso Nacional
Humberto Dantas[i]
Para o segundo semestre de 2025, algumas temáticas merecem destaque no Congresso Nacional, e certamente outros pontos surgirão em perspectiva conjuntural.
O primeiro desafio está no arrefecimento dos conflitos, notando que a palavra está escrita no plural. Na lógica Legislativo versus Executivo é de se esperar que o ambiente continue hostil para Lula. Sua agenda não encontra, tampouco encontrará, facilidade no parlamento. A consultoria econômica 4i divulga seu Índice de Governabilidade mensal no Broadcast Político e a dimensão legislativa do indicador, numa escala de 0 a 100 pontos que trata da probabilidade de a agenda executiva prosperar no parlamento, não ultrapassou 25 pontos em todo o atual mandato. Nos dois primeiros governos de Lula esse indicador atingiu picos de 80 pontos, e com Jair Bolsonaro, que também apresentou dificuldades, a melhora só ocorreu nos últimos 15 meses de poder. Aqui, resta saber se o avanço esteve associado à proximidade das eleições, o que permitiria Lula vislumbrar crescimento. Tal cenário parece improvável, ou seja, a distância ideológica em relação ao Congresso e a maior autonomia dos parlamentares parecem justificar mais a manutenção das dificuldades.
Outro ponto essencial é o conflito Legislativo versus Judiciário. O protagonismo de ambos tem se tornado destaque, e parte dos esforços do parlamento se concentra em tentar arrefecer o ativismo do STF. Nesse sentido, por mais que o presidente do Senado afirme que não está no horizonte pautar impeachment de ministros da Suprema Corte, o que não faltam são tentativas.
Parte desse comportamento se deve à existência de uma agenda de setores da direita, extremamente ativa no Legislativo, que insiste em temas como a anistia aos envolvidos na tentativa de golpe julgada pelo STF. O pacote não se restringe ao perdão aos envolvidos, mas também à mudança de Foro para o processo de políticos que buscam escapar do Supremo brasileiro. Promessas desencontradas de colocar o assunto em pauta coloca parte da direita em conflito com o presidente da Câmara dos Deputados, que emite sinais trocados em seus discursos e decisões, mas tende a se beneficiar de sua posição no diálogo com o Poder Executivo – interessado nessa agenda.
Ainda sob esta temática mais ideológica as dúvidas sobre o mandato do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), autoexilado nos Estados Unidos que pode ser cassado. Seu nome está no Conselho de Ética da Câmara para responder por ausência e às acusações de atentar contra interesses nacionais em atividades estrangeiras. Para além dele, outros nomes foram encaminhados pelo presidente da Casa ao mesmo conselho por quebra de decoro, sendo a maioria dos casos envolvida na obstrução dos trabalhos legislativos em protestos favoráveis a Jair Bolsonaro e à anistia.
Por fim, nessa seara, a questão dos limites colocados a atuação das big techs no Brasil, que mesclam responsabilizações sobre conteúdos, percepções sobre adultização de crianças, discursos sobre liberdade de expressão e uma gama de debates que divide atores em termos ideológicos, mexendo com interesses diversos.
Outro ponto que merece destaque é a reforma política. Costumeiramente realizada em anos ímpares, para o respeito ao princípio da anualidade vinculada às eleições que ocorrem em outubro de anos pares, a promessa é que o assunto ocupe espaço. O que está em curso no Congresso Nacional é, principalmente, um novo Código Eleitoral que traria mais de 900 artigos e, a despeito de sua qualidade e da intenção de aprimoramento da democracia representativa, levaria as eleições de 2026 de forma intensa ao Judiciário, uma vez que a interpretação de tamanha complexidade à luz das novidades despertaria volumes expressivos de processos.
Fecha todo esse ciclo o que certamente será uma tentativa de o Brasil vencer desafios econômicos cuja agenda passa pelo Congresso. Os principais pontos estão associados a problemas fiscais e ao atendimento às demandas associadas ao tarifaço de Donald Trump. O cenário, definitivamente, não é de pacificação, tampouco de resultados previsíveis.
Política Externa Brasileira versus Política Externa Americana Transacional: Economia e Defesa Nacional na Era Vargas e no Governo Lula III
Mariana Alves da Cunha Kalil[ii]
Introdução
Anshul (2025) refere-se à natureza transacional da política externa de Donald Trump, caracterizando-a como imediatista, baseada em ganhos tangíveis, dinâmicas de barganha e de toma-lá-dá-cá. O presente artigo argumenta que não é novidade a existência de um elemento transacional nas relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos. Alguns exemplos aconteceram nas décadas de 1930 e no início da de 1940. Nesse momento, o Brasil, que tem uma política externa frequentemente furtiva no que diz respeito a interesses e poder, deixa transparecer o que chama de pragmatismo. O interesse nacional, então, desvela-se frequentemente na forma de setores produtivos que buscam minimizar custos e maximizar ganhos diante de determinada pressão externa pelos Estados Unidos, ao lado do setor de Defesa Nacional, sobretudo relacionado às Forças Armadas do Brasil. Os exemplos da referida década apontam para um aspecto fundamental da transacionalidade da política externa estadunidense vis-à-vis o Brasil: a interferência externa.
O elemento transacional das relações entre Brasil e Estados Unidos na Era Vargas
Durante a Era Vargas, quando os Estados Unidos se contrapunham à aproximação do Brasil e da Alemanha e à influência germânica em postos-chave da tomada de decisão brasileira, a natureza transacional das relações bilaterais brasileiro-estadunidenses explicitam-se. Os Estados Unidos visam a oferecer incentivos para que o Brasil se afaste da germanofilia presente inclusive entre alguns oficiais do Exército Brasileiro, como o futuro Presidente Dutra. Neste contexto, o palco principal das relações bilaterais passa a ser o econômico e o de Defesa Nacional.
Além do acordo comercial de 1935, há a Missão Sousa Costa, em 1937, e a Missão Aranha, em 1939. Na missão de 1937, o Brasil conseguiu que os Estados Unidos aceitassem o comércio compensado brasileiro com a Alemanha, além de ter logrado a leniência de Washington DC em relação à prorrogação do pagamento da dívida externa. Na missão de 1939, assinaram-se acordos bilaterais de crédito e cooperação econômica, além da troca de visitas entre Góis Monteiro e Marshall. Em 1940, o empréstimo do Eximbank para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional foi fundamental para o transbordamento de 1941, quando, além do acordo bilateral para fornecimento de minerais estratégicos aos Estados Unidos, há o investimento na estrutura aeroviária do Nordeste e a fundação da Força Aérea Brasileira, com o treinamento de oficiais nos Estados Unidos e uma dinâmica de lend-and-lease para a compra brasileira de aeronaves. Em 1942, Cervo e Bueno (2023) consideram haver a inauguração de um novo momento nas relações bilaterais, com nova Missão Sousa Costa, que leva à assinatura de acordos de natureza militar, estratégica e econômica, precedentes para a utilização militar pelos Estados Unidos das bases de Belém, de Natal e de Recife, constituindo-se, ademais, uma Comissão Mista de Defesa, entre outros.
Embora a decisão de mobilizar a Força Expedicionária Brasileira somente saia em 1943, é possível afirmar que, mesmo antes do 7 de Dezembro de 1941, o Brasil adota uma posição explícita, ao lado de D.C., no que diz respeito ao crescente conflito entre os Estados Unidos e a Alemanha.
Conclusão
A pressão externa para que o Brasil adote determinado posicionamento político não é novidade. A interferência externa esteve presente, por exemplo, em prol do fim da escravidão no Brasil ou, como explorado neste artigo, para o alinhamento brasileiro aos Estados Unidos durante a Era Vargas. A economia e a defesa nacional, por sua vez, parecem manter-se como setores fundamentais para as relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos, inclusive no século XXI, quando as tarifas impostas pelo pela administração Trump II ao Brasil de Lula III têm impactos comerciais, mas também políticos que, neste caso, passam pelo setor de Defesa. Se, em 2022, a decisão das Forças Armadas de aceitar os resultados das urnas eletrônicas aconteceu, também, em função da ausência de sustentação externa a um regime de ruptura, diante do que sinalizaram os Estados Unidos de Biden, em 2026, um cenário desafiador pode aguardar o Brasil, sobretudo se a pressão de D.C. recair sobre interesses vitais das Forças Armadas brasileiras, cujos valores, ainda, encontram-se deveras associados ao campo Ocidental.
Referências
Cervo, Amado; Bueno, Clodoaldo (2023). História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora UnB, 632p.
Vyas, Anshul, Transactional Diplomacy and the Russia-Ukraine Conflict: A U.S. Foreign Policy Shift During the Trump Era (April 19, 2025). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=5223629 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.5223629
Política local e fortalecimento das instituições democráticas: uma perspectiva fenomenológica
José Mario Brasiliense Carneiro[iii]
Introdução
Como diria o ex-Governador de São Paulo, André Franco Montoro, “o cidadão não mora na União, não mora no Estado e sim no Município”. Esta afirmação nos diz que a Política local é importante para a vida democrática.
Fortalecer as instituições na base da Federação é um exercício que beneficia toda estrutura do Estado Democrático de Direito. Partindo desta visão este ensaio sobre a Política local pretende fazer uma conexão entre democracia e soberania, temas muito atuais.
Adotaremos a perspectiva da fenomenologia, método filosófico criado por Edmund Husserl, na Alemanha, no início do século XX, para contrapor a corrente positivista e cientificista que ganhou evidência na Europa a partir da Revolução Industrial.
Para fenomenologia os métodos quantitativos das ciências exatas nem sempre são adequados para as ciências humanas (Geistwissenschaft). O filósofo Husserl entendeu que a apreensão dos fenômenos humanos que se revelam à consciência se dá graças à empatia, ou seja, a capacidade de reconhecer o outro como um semelhante.
Husserl dizia que conhecemos as coisas a partir das vivências (Erlebnis) que fazemos nas dimensões física, psíquica e espiritual (intelecto e vontade). Sua discípula, Edith Stein, escreveu sua tese de doutorado sobre a empatia pondo em evidência as relações interpessoais ao descrever os fenômenos das comunidades, sociedades e das massas.
Com base nestes estudos Stein escreveu uma obra prima no campo da política e do direito: “Uma investigação sobre o Estado”, que aqui tomaremos como referência. Não se trata de uma nova teoria do Estado, mas da descrição da essência do Estado com caráter universal. Stein aproximou-se do Estado “de mãos vazias” colocando entre parênteses (redução eidética) ideias e ideologias de sua época, dentre elas, a teoria contratualista.
Soberania, pessoa e comunidade enquanto elementos essenciais ao Estado
Stein afirma que estão inseparavelmente ligadas a soberania, como “autoformação de uma coletividade”, e a liberdade da “pessoa singular”. Somente uma entidade que reúne pessoas livres “pode declarar-se soberana ou manifestar praticamente sua soberania” (Stein, 2022: 119).
Stein afirma ainda que a garantia da soberania se dá quando “a associação de pessoas configurada pelo Estado já existe como comunidade” (op. cit.: 120). Entendemos daí que as comunidades precedem o Estado. Importante lembrar a palavra alemã Gemeinde é usada com dois sentidos: o de Comunidade, propriamente dita, e o de Município, como entendemos na Federação brasileira.
A liberdade enquanto garantia do Estado e os limites da coerção
Prosseguindo nesta linha, Stein afirma que quando faltam as pessoas e as comunidades como fundamentos para uma “saudável existência do Estado” tais fundamentos podem ser substituídos por “meios de coerção” que restauram a “capacidade da força estatal” (op. cit.: 120). Por isso, segundo Stein, faz-se necessário reconhecer, na esfera de autoridade reivindicada pelo Estado, a possibilidade de se impor, “por meio de certa pressão, aos indivíduos recalcitrantes (op. cit.: 120).”
Porém, a autora alerta que os meios de coerção nunca serão “capazes de substituir” as garantias oferecidas pela liberdade dos indivíduos e comunidades “nem mesmo reforçá-las” (op. cit.: 121). Por analogia podemos dizer que a liberdade dos indivíduos no âmbito comunitário corresponde à liberdade dos cidadãos no âmbito do Estado.
Hoje parece-nos evidente que os regimes democráticos são aqueles melhor colaboram para que autoridade Estatal se funde no diálogo e na coexistência plural de cidadãos que se organizam em partidos e entidades representativas. Na Política local os partidos dão sustentação às Câmaras de Vereadores e ao Poder Executivo e assim colaboram diretamente com o fortalecimento das instituições democráticas.
Obra de referência
STEIN, Edith. Uma investigação sobre o Estado. São Paulo: Paulus, 2022. Coleção Obras de Edith Stein.
[i] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.
[ii] Professora de Geopolítica na Escola Superior de Guerra do Ministério da Defesa do Brasil, Mestra e Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. mariana.kalil@esg.br
[iii] Formado em Direito (USP) é mestre e doutor em Administração Pública (EAESP-FGV/SP). Foi Coordenador de Projetos da Fundação Konrad Adenauer (KAS-Brasil). É diretor-presidente e fundador da Oficina Municipal, uma escola de cidadania e gestão pública parceira da KAS-Brasil em São Paulo.