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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 09/2025

Falta um ano: o que sabemos sobre as eleições presidenciais / O delicado equilíbrio entre o Orçamento da União e os programas sociais / Brasil e Índia

No mês de setembro, a série Brasil em Foco traz artigos sobre os seguintes temas: as mais recentes pesquisas sobre intenções de voto para presidente, as relações entre o Orçamento da União e os programas sociais do governo, e uma reflexão sobre as relações comerciais entre Brasil e Índia, na atual conjuntura. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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Falta um ano: o que sabemos sobre as eleições presidenciais

Humberto Dantas[i]

Dia 04 de outubro faltará um ano para as eleições. O cenário carrega incertezas típicas do extremismo, radicalidade e velocidade intensa. Ademais, a política sempre foi dinâmica. No final de abril, veio à tona o escândalo do INSS que prejudicou ainda mais a imagem de Lula, cuja popularidade tem piorado desde 2023. Utilizando-se aqui a dimensão de Opinião Pública do Índice de Governabilidade da 4i, tema de livro da Fundação Konrad Adenauer, no atual mandato Lula começou acima dos 50 pontos de popularidade, onde ficou por 13 meses, até janeiro de 2024, algo inédito desde 2013, quando o Brasil mergulhou em crise política sob o comando de Dilma Rousseff. Já em 2024, Lula oscilou entre 47% e 50%, para entrar 2025 abaixo dos 45% e lá permanecer até agosto. Em maio, sob reflexo do citado escândalo, atingiu seu pior momento, iniciando junho aquém dos 40%. Mas bastou Trump desafiar a soberania do país para que a imagem do Planalto começasse a se recuperar. Há indícios de que setembro feche acima dos 45 pontos, revertendo tendência de queda – mais por demérito da oposição que por mérito do governo.

Com base em tal realidade, o que dizem as pesquisas atuais para a corrida presidencial? Seis levantamentos foram finalizados entre 30 de agosto e 14 de setembro: MDA, Real Time, Quaest, Futura, Ibespe e Atlas. O primeiro elemento que chama a atenção está associado aos dois principais candidatos, que têm protagonizado este cenário desde 2018: Lula e Bolsonaro. Naquele ano, mesmo preso o petista sustentou candidatura até o limite legal de substituição, quando Fernando Haddad foi alçado ao posto e perdeu para Bolsonaro. Em 2022, o grande embate: Lula venceu o incumbente Bolsonaro pela menor margem da história em segunda volta. Desde então, na justiça eleitoral Bolsonaro se tornou inelegível em 2023 e foi condenado por tentativa de golpe de Estado em 2025. A primeira grande questão: quem o substituirá? Hoje, o nome está entre governadores da direita de estados como PR, MG, SP, RS e GO, e familiares.

Já Lula é visto como um político cansado, e as pesquisas mostram parcelas agudas da sociedade sugerindo desistência. Desde julho de 2024, em sete levantamentos, a Quaest mostra que mais de 50% cravam tal fenômeno. O pior instante foi em maio: 66%, mas este número caiu para 59% em setembro, depois de um bimestre em 58%. O Ipec fez a mesma pergunta em agosto e colheu 62%. Alckmin (19%), Haddad (17%), Camilo Santana (7%) e Flávio Dino (6%) são os favoritos para o posto. O PL insiste que terá Bolsonaro anistiado nas urnas, e o PT não torna pública qualquer estratégia longe de Lula.

Assim, em primeiro turno, Lula lidera quase todas as pesquisas. O ex-presidente do PL aparecia à frente em alguns estudos até meados de agosto, e agora tem vantagem de três pontos apenas no Futura, empata em 43% no Real Time e fica para trás nos demais.

Nos 30 cenários testados, nas pesquisas localizadas, Lula só não aparece em quatro. Sem Bolsonaro ele tem vantagens menores sobre Michelle e Tarcísio com quem está tecnicamente empatado, respectivamente, em Futura e Real Time. Os demais governadores aparecem misturados, dificultando percepção de reais capacidades em cenários polarizados onde só a soma da direita faz sombra a Lula.

Sem ele, Haddad, Tarcísio e Eduardo Bolsonaro aparecem em empate triplo pelo Futura, e Alckmin no lugar do Ministro da Fazenda tem a mesma posição, demonstrando a força da direita. Pelo Atlas, Haddad abre seis pontos sobre Tarcísio, e no Real Time empata em 22% com Michel Temer, em cenário improvável.

Em resumo, faltando um ano para o pleito, Lula é candidato, Bolsonaro condenado tem em Tarcísio e em sua esposa nomes mais viáveis, e os demais governadores buscam lugar ao sol. Falta um longo ano.

 

O delicado equilíbrio entre o Orçamento da União e os programas sociais

Antônio Mariano [ii]

Dentro da gestão pública, é notório que a peça mais importante, seja no Poder Executivo, seja no Legislativo, é o orçamento, ou a Lei Orçamentária Anual (LOA). É a Lei que rege a aplicação de toda e qualquer verba arrecadada pelo poder público, onde serão ditadas as prioridades de investimentos, cortes e onde, todos os anos, haverá guerra entre órgãos, para ditar qual política pública é mais importante.

No Brasil, para além disso, o orçamento é autorizativo, ou seja, após a discussão no Congresso que irá aprovar a sua aplicação, o governo está “autorizado” a trabalhar com aquele orçamento. Diferentemente de outros países, como os Estados Unidos, onde o orçamento é impositivo e o governo é obrigado a seguir, à risca, o que foi debatido e aprovado pelos congressistas. A diferença é que, no Brasil, o governo ainda tem margem de manobra para realizar alterações sem maiores autorizações legislativas.

No entanto, quando olhamos para os números do Orçamento da União de 2025, fica claro o peso desse dilema. A peça orçamentária soma cerca de R$4,04 trilhões, mas mais da metade já está comprometida antes mesmo do início do ano. Só a previdência social consome 26,6% do total (R$1,07 trilhão), enquanto o serviço da dívida leva outros 28% (R$1,21 trilhão). Ou seja, quase 55% de todo o orçamento vai apenas para pagar aposentadorias, pensões e credores.

Em contraste, as áreas mais sensíveis para a população recebem fatias muito menores: saúde fica com 5,2% (R$208,9 bilhões), educação com 4% (R$161,9 bilhões) e a assistência social, onde está o Bolsa Família, com 7,1% (R$285,8 bilhões). Já os investimentos (aqueles que preparam o país para o futuro em infraestrutura, tecnologia e inovação) não passam de 1,6% do total.

Esse retrato mostra por que o orçamento brasileiro é chamado de “engessado”. Sobra pouco espaço para novas políticas e, quando surgem crises fiscais, são justamente os programas sociais e os investimentos os primeiros a sofrerem cortes. O que tem vinculação constitucional, como previdência, ou peso político, como o pagamento da dívida, permanece intocado. A conta sobra para quem depende do SUS, das escolas públicas ou do Bolsa Família. No final das contas, o governo dispõe de pouco mais de 5% para novos investimentos em políticas públicas e infraestrutura em um país de dimensões continentais.

O delicado equilíbrio entre responsabilidade fiscal e proteção social, portanto, não é apenas uma equação técnica de receitas e despesas. É uma escolha política. E, muitas vezes, o discurso de austeridade funciona como justificativa para sacrificar justamente aqueles que menos podem reagir. Se 11% do orçamento pode ser garantido para a folha de pagamento do funcionalismo e 28% para credores da dívida, por que não asseguramos percentuais mais robustos para políticas que reduzem desigualdades?

O orçamento, como peça mais importante da sociedade, precisa ser constantemente reformulado, não apenas em sua forma, mas principalmente em suas prioridades. Isso significa repensar o que realmente deve ser protegido: a preservação de compromissos financeiros ou a garantia de políticas que garantam dignidade à população. Ao mesmo tempo, é urgente buscar estratégias para reduzir o peso da dívida pública brasileira, seja com maior eficiência na arrecadação, revisão de renúncias fiscais ou reequilíbrio entre despesas obrigatórias e investimentos.

No fim, o orçamento federal é mais do que um documento meramente contábil, é o espelho de nossas prioridades nacionais. E a pergunta incômoda permanece: enquanto insistirmos em proteger o passado e os compromissos financeiros, será que não estamos condenando o futuro a repetir as mesmas desigualdades? Não é sobre quebrarmos acordos, mas sobre repactuar e reequilibrar de acordo com as necessidades da nação e comprometido com o desenvolvimento do país.

 

 

Brasil e Índia: Alinhamento Estratégico na Sombra de Trump

Pedro Oliveira[iii]

As tarifas comerciais adicionais impostas pelos EUA durante o governo Trump remodelaram fluxos econômicos globais e pressionaram economias exportadoras, como Brasil e Índia. Com tarifas de até 50%, medidas protecionistas fortaleceram a urgência de diversificação comercial e diplomática, incentivando uma aproximação entre Brasília e Nova Déli.

Nos últimos anos, o presidente Lula e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, exploraram possibilidades de cooperação para mitigar os desafios impostos pela postura errática dos EUA. Segundo o Embaixador do Brasil na Índia, Sr. Kenneth Nóbrega, em colaboração ao artigo de Fabio Gallo no jornal O Estado de São Paulo em 29/08/2025, planos prioritários incluem parcerias nos setores de defesa, energia, fármacos e tecnologia. Além disso, missões empresariais reforçam os laços bilaterais: 77 missões brasileiras visitaram a Índia recentemente, enquanto mais de 40 delegações indianas passaram pelo Brasil.

O cenário global pós-Trump intensificou o esforço dos países emergentes em reduzir a dependência de economias ocidentais. A Índia, por exemplo, ampliou relações com potências como União Europeia, Japão, e até mesmo a China, seu rival histórico. Já o Brasil tem buscado diversificar parcerias, como demonstra o processo de ratificação do acordo Mercosul-União Europeia e diálogos com países asiáticos. Ambos os países enfrentaram os efeitos da liderança de Trump, que provocou uma reorganização estratégica no Sul global, com países priorizando maior autonomia e interconexão regional.

Brasil e Índia compartilham objetivos históricos dentro de blocos como BRICS e IBAS, buscando contrabalançar a hegemonia ocidental. Em resposta à fragmentação do multilateralismo causada pela política "America First" de Trump, os dois países têm intensificado articulações multilaterais. Por exemplo, em discussões no G20 e na ONU, Lula e Modi se destacam no combate ao protecionismo unilateral, propondo maior integração econômica e iniciativas como alternativas regionais aos sistemas de pagamento internacionais dominados pelos EUA.

No contexto bilateral, governos têm sinalizado intenção de retomar negociações de livre-comércio Brasil-Índia. Além disso, acordos setoriais e visitas de alto nível refletem a busca por uma relação mais pragmática e coordenada, capaz de explorar nichos de mercado e fortalecer a confiança mútua.

As tarifas adicionais dos EUA afetam não apenas os dois países diretamente, mas também reverberam em suas redes regionais de comércio. No caso do Brasil, a intensificação do protecionismo norte-americano levou o Mercosul a buscar parcerias externas, como na revitalização de acordos com a União Europeia e o fortalecimento de laços com vizinhos como Argentina, Chile e Paraguai.

Na Índia, a situação é semelhante. Barreiras tarifárias dos EUA beneficiaram rivais regionais, como Vietnã e Bangladesh, obrigando Déli a reforçar parcerias com blocos alternativos como a RCEP (Parceria Econômica Regional Abrangente) e a negociar acordos estratégicos com Irã e Israel. Esse redesenho comercial tem sido favorecido por cadeias logísticas fragmentadas e esforços de descentralização regional.

Internamente, os dois países enfrentam desafios. Setores exportadores brasileiros, como o agronegócio, registraram perdas no mercado norte-americano, enquanto a Índia ajusta sua dependência tecnológica. Mesmo assim, mercados alternativos – como União Europeia, China e blocos regionais asiáticos – têm amortecido os impactos dessas sanções, apontando direções promissoras de diversificação.

Especialistas indicam que a escalada protecionista ameaça desacelerar o crescimento econômico global, elevando custos de produção e pressionando economias emergentes. Frente a isso, Brasil e Índia precisam equilibrar medidas comerciais restritivas com políticas para sustentar a confiança empresarial. Em fóruns multilaterais, espera-se que ambos avancem com inovação e resistência conjuntural por meio do fortalecimento de cadeias Sul-Sul.

Por outro lado, o cenário político doméstico e global determinará o sucesso dessa aliança estratégica. A necessidade de uma governança econômica mais flexível, resiliente e inclusiva coloca Brasil e Índia como possíveis lideranças entre emergentes.

As tarifas comerciais impostas por Trump ampliaram tensões econômicas e remodelaram alianças globais. Para Brasil e Índia, os desafios impostos pela política protecionista americana reforçam não apenas a importância de parcerias bilaterais, mas também a busca por maior protagonismo internacional. Dessa forma, emerge um reposicionamento estratégico impulsionado pela pressão externa: o fortalecimento do eixo Brasil-Índia como parte de uma nova configuração geoeconômica global, pautada na diversificação e na integração sul-sul.

 

 

 

 

 

[i] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.

 

[ii] PhD em Política e História pela FGV CPDOC e Diretor Executivo do Instituto Rio21

[iii] Head Regional São Paulo / Câmara de Comércio Índia-Brasil

 

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Reinaldo Themoteo

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