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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 7/2023

Desafios do Congresso Nacional no segundo semestre / Cúpula da Amazônia / O papel do Brasil na política internacional: reconstruindo pontes? Desafios dos BRICS ampliados

Está disponível para download gratuito o novo número da série Brasil em Foco, com três artigos dedicados aos seguintes tópicos: a agenda do Congresso nacional na segunda metade de 2023, a Cúpula da Amazônia e seus desdobramentos e a XV Cúpula dos Brics de Joanesburo em dois aspectos: a inclusão de novos membros e os principais a enfrentar. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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Desafios do Congresso Nacional no segundo semestre

Humberto Dantas[1]

Em julho a empresa de inteligência de dados 4i lançou o I-GOV - Índice de Governabilidade. Inspirado em livro da Konrad Adenauer, o indicador busca medir a capacidade de o Poder Executivo encontrar espaço para a sua agenda diante do Judiciário, perante a opinião pública e, como esperado, em sua relação com o Legislativo. Para se ter ideia desse terceiro desafio, o I-GOV retroagiu 20 anos e ofertou série histórica que vai de 2003 a 2022. Até 2013, os piores resultados de Lula I e II, e Dilma I, ficaram em cerca de 50% nas relações com o parlamento, chegando a superar 80%. Críticos mais ácidos vão associar tal sucesso ao mensalão, mas o fato é: o Congresso Nacional aderia à agenda do Planalto.

Desde meados de 2013 não é mais assim. Dilma caiu via impeachment, Temer não teve vida fácil. Bolsonaro, em seus três primeiros anos, teve média abaixo dos 25% e só superou 50% em seus meses finais, já derrotado nas urnas e refém do “Centrão”. O que houve? Descolamento da sociedade à política, intensificação de conflitos ideológicos, existência competitiva de polos radicais, empoderamento dos presidentes da Câmara com atitudes diversas de Eduardo Cunha, Rodrigo Maia e Arthur Lira, e, principalmente, ganho de autonomia parlamentar com as emendas impositivas. Radicalidade empoderada gera conflitos nítidos e acentuados.

Toda essa contextualização exige compreender a agenda do Congresso Nacional no segundo semestre. A primeira pergunta é: Lula traz o Legislativo de volta para o círculo de interesses do Executivo? O primeiro semestre não sugere isso, sobretudo diante da formatação eleitoral à direita advinda das urnas em 2022. Assim, o desafio maior hoje: reforma ministerial ofertando espaços à oposição.

A partir disso, a agenda legislativa se concentrará em pontos possíveis de interesse mútuo. O primeiro: economia, envolvendo precatórios, Carf, Arcabouço Fiscal, reformas tributária e administrativa. Nada será como a esquerda quer, e o trio Haddad-Tebet-Alckmin é bússola para apontar o quão de centro será tal agenda. Bom para o país? Possível para o Congresso? Pesquisa Quaest com 185 deputados federais mostra que esta é a agenda: economia em tom moderado. Ou seja: nem à esquerda como preferiria o PT, tampouco tão liberal quanto a oposição – se é que PL-PP-Republicanos representam isso.

Adicionalmente, aspectos estratégicos que no Brasil são tratados sob o signo de conflitos ideológicos devem se manter. Por exemplo: Lula edita portaria sobre desarmamento e oposição luta para revogar, o mesmo podendo ocorrer em pautas ambientais e de costumes. Este será o terreno do conflito, servindo as CPIs do MST e dos Atos Golpistas como exemplos. Por mais que o Planalto se esforce para esvaziar as investigações contra o MST e a justiça mostre mais ativismo nas investidas sobre o golpe de Estado, tais palcos ainda renderão espetáculos.

Por fim, até o final de setembro, a reforma política, algo comum em anos ímpares. Alterações radicais parecem improváveis, mas a anistia aos partidos em casos de leis que buscam a participação de mulheres e negros na política, a flexibilização de arrecadação empresarial para o pagamento de dívidas anteriores a 2015, o engordamento do Fundo Eleitoral e o transporte gratuito em dia de eleição podem ocorrer. É nesse ambiente, inclusive, que o governo pode encontrar solo fértil para reverter as dificuldades de formar maiorias. Em coletivos desacreditados pela sociedade, como os parlamentos, os cálculos pessoais se sobressaem, e assim, os congressistas podem aderir a certas agendas em nome de estratégias políticas individuais. O resultado é conhecido: a peso de ouro, o Planalto voltaria a ter protagonismo maior na agenda legislativa. Será?

 

Cúpula da Amazônia: ponto de partida importante que precisa avançar em passos mais largos

Marina Caetano[2]

Os diálogos Amazônicos e a Cúpula da Amazônia representaram um teste para a cidade de Belém, cidade anfitriã da Conferência das partes - COP 30 em 2025, e uma tentativa de fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). O encontro reuniu líderes políticos, representantes de organizações não governamentais e especialistas para pautar formulações de novas estratégias para a Amazônia. Esta ocasião também representou um duplo esforço da política externa brasileira com o objetivo de retomar a liderança na região, ao mesmo tempo em que buscam maior protagonismo na agenda climática.

O espaço concedido à sociedade civil nos Diálogos Amazônicos, que aconteceram antes das reuniões dos líderes dos estados da Panamazônia, foi apropriado e mostra uma abertura para o diálogo. É especialmente notável o destaque dado às organizações da sociedade civil da própria região. Muitas vezes acostumados a serem meros espectadores nas discussões, muitos deles tiveram a oportunidade de apresentar suas visões de mundo e propostas, fruto dos debates ao longo dos três dias.

Por outro lado, o importante e simbólico processo de escuta ativa da sociedade civil não se transformou em colaboração concreta refletida na declaração final da Cúpula dos chefes de estado. Parte da sociedade civil sentiu que as recomendações elaboradas ao longo dos dias não foram devidamente consideradas no documento final. Com isso tornou-se evidente que há um esgotamento do modelo de participação social efetiva nessas instâncias.

Na abrangente Declaração de Belém, que contém 113 pontos, não houve grandes novidades. Ponto central para a região, o combate ao desmatamento foi destaque no texto final, com indicações de fortalecimento regional para comando e controle, mas sem a estipulação de uma data limite como esperado. Sem surpresa, mas ainda com certa dose de frustração, a ausência de menção sobre exploração de combustíveis fósseis na região foi um dos pontos mais criticados e sensíveis da declaração. E o problema vai além da recente polêmica sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, o ponto nevrálgico é o sinal que a região passa em relação à total falta de metas concretas e prazos para sua transição energética.

É inegável que a declaração, mesmo tendo chegado pronta a Belém, fez parte de um esforço diplomático importante do Brasil e traz caminhos para o fortalecimento da OTCA 14 anos depois do último encontro entre os representantes dos 8 países da panamazônia. Porém, dada a emergência climáticaa, é necessário que caminhos para ações mais concretas sejam apontados.

Não precisamos de consenso em declarações, mas sim de sinais políticos claros e ações concretas com metas que apontem a região para o futuro. Cúpulas e diálogos vindouros precisam ir além do simbolismo para se tornarem plataformas de medidas efetivas. O Brasil possui uma grande oportunidade de se colocar na vanguarda da agenda climática nos próximos anos e parte da solução passa por um novo modelo de desenvolvimento para a região Amazônica. Para isso precisamos definir internamente as prioridades das nossas políticas climáticas e externamente buscar uma integração regional mais audaciosa que responda aos desafios comuns da panamazônia.  É tarde, mas ainda temos tempo de chegar a COP 30 com posições e ações ambiciosas para mostrar ao mundo.

 

O papel do Brasil na política internacional: reconstruindo pontes? Desafios dos BRICS ampliados

Andrea Ribeiro Hoffmann[3]

Uma das maiores expectativas para terceiro mandato do Presidente Lula era a retomada de uma política externa brasileira ‘ativa e altiva’, incluindo a valorização e fortalecimento do multilateralismo nos planos global e regional, e a liderança em agendas importantes para a sociedade brasileira tais como a mudança climática e os direitos humanos.

Os primeiros meses de seu governo têm confirmado esta expectativa, com a participação e liderança brasileira em diversos fóruns, incluindo a cúpula sul-americana, em maio, a cúpula de chefes de estado e governo realizada no âmbito da parceria União-Europeia-CELAC, em julho, e, mais recentemente, em agosto, a cúpula dos BRICS, com o tema: “BRICS e África: Parceria para um crescimento mutuamente acelerado, Desenvolvimento Sustentável e Multilateralismo Inclusivo”.

Vistas em conjunto, essas iniciativas demostram uma perspectiva global e ambiciosa, que busca definir o papel do país como de construtor de pontes entre o norte e o sul global, oriente e ocidente. Embora esta postura tenha traços de continuidade com os governos anteriores de Lula, as conjunturas nacional e internacional são bastante diversas, incluindo a fragilidade democrática doméstica e a Guerra na Ucrânia, o que implica desafios consideráveis.

Os resultados da cúpula dos BRICS são indicativos de alguns desses desafios, em particular, seu processo de expansão com a incorporação da Arábia Saudita, Argentina, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos. A Declaração conjunta prevê que esses países possam fazer parte do grupo a partir de janeiro de 2024, em seus parágrafos 90-92: “90. Apreciamos o interesse considerável demonstrado pelos países do Sul global na adesão ao BRICS. Fiéis ao espírito do BRICS e ao compromisso com o multilateralismo inclusivo, os países do BRICS chegaram a um consenso sobre os princípios orientadores, normas, critérios e procedimentos do processo de expansão do BRICS; 91. Decidimos convidar a República Argentina, a República Árabe do Egito, a República Federal Democrática da Etiópia, a República Islâmica do Irã, o Reino da Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos a tornarem-se membros de pleno direito do BRICS a partir de 1 de janeiro de 2024; 92. Encarregámos também os nossos Ministros dos Negócios Estrangeiros de continuar a desenvolver o modelo de país parceiro do modelo de países parceiros do BRICS e uma lista de potenciais países parceiros e a apresentarem um relatório até à próxima Cúpula”.

Não é possível desenvolver uma análise aprofundada desta questão neste breve artigo, mas destaco dois desafios centrais. O primeiro desafio é a conciliação dos objetivos do governo de Lula no plano doméstico e internacional no que se refere à consolidação da democracia.  O país passou por um dos seus piores momentos desde a democratização, e a solidariedade de outros governos democráticos foi central para a resistência e fortalecimento das forças democráticas domésticas e o reconhecimento das conturbadas eleições de 2022. Apesar de diversas referências à democracia e direitos humanos na Declaração Conjunta da Cúpula BRICS, uma composição majoritária de países não democráticos demostra a falta de prioridade deste tema na agenda coletiva.

O segundo desafio é o fortalecimento do multilateralismo. A participação em fóruns multilaterais não garante por si só um fortalecimento do multilateralismo, que como definido por Ruggie (1992)[4] tem elementos qualitativos, que seja, os princípios de não-discriminação, indivisibilidade e reciprocidade difusa.  Embora a Declaração Conjunta tenha feito também diversas referências ao sistema das Nações Unidas e inclusive ao princípio da integridade territorial (para 16 e 17) e o conflito na Ucrânia (para 19), observa-se, ao longo dos últimos anos, uma fragmentação das instituições multilaterais e enfraquecimento dos princípios acima referidos, fenômeno amplamente discutido na literatura de Relações Internacionais, associados à discussão sobre transição hegemônica. Não está claro até que ponto a proposta de multilateralismo inclusivo, assim como o fortalecimento da democracia e direitos humanos é uma prioridade dos BRICS, ainda mais, dos BRICS ampliados.

 

 

 

[1] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.

[2] Gerente de Relações Institucionais do Instituto Talanoa e Mestre em Desenvolvimento Sustentável.

 

[3] Professora Associada, Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

[4] Ruggie, J. G. (1992). Multilateralism: the anatomy of an institution. International Organization, 46(3), 561-598.

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