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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 04/2025

Incertezas eleitorais: uma tradição no Brasil / Os impactos do tarifaço de Trump para o Brasil / Milei e o Mercosul

Está disponível a nova edição da série Brasil em Foco, com três artigos sobre os seguintes temas: incertezas eleitorais no Brasil, com reflexões sobre a legislação eleitoral, as possíveis consequências das tarifas de Trump para o Brasil, e um artigo sobre a posição de Javier Milei sobre o Mercosul. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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Incertezas eleitorais: uma tradição no Brasil

Humberto Dantas[i]

Em 2023, pela primeira vez em anos, não tivemos uma reforma política, ao menos com este nome, vinda do Congresso Nacional faltando um ano para as eleições. O que poderia ser um mérito da estabilidade, guiado pelo amadurecimento legislativo, passou longe disso. O desalinhamento por vezes conflituoso entre as agendas de Arthur Lira (PP-AL), então presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), seu par à ocasião no Senado, serve de justificativa mais plausível à ausência de novas regras.

Isso não impediu, entretanto, que em pleno ano eleitoral as questionáveis interpretações do Tribunal Superior Eleitoral, em larga medida respaldadas pelo STF, se fizessem presentes. A eleição de 2024 foi a mais estável dos últimos anos em se tratando de mudanças legais? Se dependesse apenas do Legislativo, isso poderia se transformar em objeto de análise, considerando que reformas anteriores debutaram nos pleitos municipais no ano passado, mas com o Judiciário que temos isso não parece capaz de ser objeto de pesquisa ou análise.

Diante do que está posto, e tendo em vista que anos ímpares se notabilizam pelo debate sobre as reformas políticas, dois movimentos merecem atenção neste instante no Legislativo. Primeiramente, o início da corrida para as mudanças eleitorais que têm como alvo o pleito de 2026. Se parlamentares desejam alterar algo, sinais precisam ser dados. Assim, personagens típicos dos últimos anos sobre este assunto merecem atenção: os presidentes das casas congressuais e, na Câmara dos Deputados, olho na presidente nacional do Podemos, Renata Abreu (SP), e no Senado, sobre Marcelo Castro (MDB-PI). Outros tantos parlamentares gravitam em torno do tema, mas estes personagens certamente estarão sob os holofotes. Nos últimos dias, até meados de abril, por exemplo, Castro falou muito sobre o fim da reeleição ao Executivo, Abreu tem estudado novo modelo para as eleições proporcionais e Hugo Motta, sob a mesma temática, tenta emplacar o voto distrital misto. Davi Alcolumbre, nesse instante, parece mais preocupado com sua força em relação à reforma ministerial de Lula, mas destaque-se que o senador amapaense defende o protagonismo do Senado na reforma política desde sua primeira passagem pela Presidência da Casa.

Soma-se a toda esta movimentação o segundo movimento essencial, que vem misturado ao primeiro: os avanços da reforma do Código Eleitoral, datado de 1965. Os desafios não representam novidades, sendo a principal questão compreender se finalmente se tornará possível aprovar um novo documento. De acordo com informações de 02 de abril do portal do Senado, o novo relatório (o quarto) entregue à Comissão de Constituição e Justiça, sob a responsabilidade de Castro, é um substitutivo de quase 900 artigos que busca consolidar e unificar toda a legislação eleitoral – isso não apenas organizando um exercício de legística, mas alterando centenas de pontos do sistema político-partidário-eleitoral do país. A unificação envolve: o próprio Código Eleitoral de 1965, a Lei Geral das Eleições, a Lei dos Partidos Políticos, a Lei de Inelegibilidades, a lei sobre participação popular, a lei de combate à violência política contra a mulher, o regramento sobre transporte de eleitores etc. Em resumo: trata-se de desafio imenso que pode levar o país a melhorias, mas também a incertezas significativas em matéria de Direito Eleitoral. Dezenas de emendas foram apresentadas ao projeto, algumas acatadas, outras ignoradas e, ainda, falta a apreciação de uma parcela.

Aqui, uma coisa é certa: em caso de aprovação do novo arcabouço legal, a probabilidade de as eleições de 2026 serem carregadas de incertezas, apelos à judicialização e às interpretações do TSE e do STF é imensa. Em meio a um país politicamente efervescente, o Congresso Nacional parece capaz de entender que arrefecer o calor com um “bom lança-chamas” é estratégia das mais expressivas.

 

 

Os impactos do tarifaço de Trump para o Brasil

Hugo Rogelio Suppo[ii]

O governo de Donald Trump acaba de completar “the first 100 days” e, das 129 ordens executivas assinadas, provavelmente as que mais impactaram o mundo foram as anunciadas em 1º de fevereiro, impondo uma tarifa de 25% sobre todos os produtos do México e Canadá e uma tarifa de 10% sobre a China. Contudo, o momento mais simbólico dessas medidas foi dia 2 de abril, que Trump denominou "Dia da Libertação", ao anunciar uma tarifa de importação universal de 10% sobre todos os bens importados, e taxas ainda mais altas para 57 parceiros comerciais. Essa guerra comercial tem como objetivos proclamados recuperar o espaço perdido da indústria dos EUA para Ásia e tentar combater os déficits comerciais de bens que somam cerca de US$ 1 trilhão ao ano. O aumento da carga tributária, utilizada como ferramenta para induzir comportamentos no mercado, significa um choque brutal na economia mundial.

Em entrevista à revista Time, no dia 22 de abril (https://time.com/7280114/donald-trump-2025-interview-transcript, Trump afirmou que muitos parceiros comerciais adotam tarifas superiores às impostas pelos EUA e, dessa forma, muitos deles “ficaram ricos”. O Brasil, que cobra tarifas de 18%, foi mencionado como exemplo: “if you look at Brazil, if you look at many, many countries, they charge—that's how they survive. That's how they got rich.”

Esta argumentação não possui fundamento, mas o tarifaço, sem dúvida, provocará uma desestruturação significativa do comércio, investimentos e tecido produtivo global. Também pode ter graves consequências econômicas, derrubando juros e o dólar, provocando uma recessão que, obviamente, afetaria o Brasil, apesar de ele ter ficado com as tarifas mais baixas entre as divulgadas.

Os especialistas divergem sobre as consequências do tarifaço no Brasil: os pessimistas, muitos dos quais em tom apocalíptico, vaticinam sérios problemas para alguns setores importantes, como aço, alumínio e autopeças, tarifados em 25%. Nesse sentido, vale ressaltar que, embora os chineses importem muitas commodities brasileiras, os Estados Unidos são o principal comprador de produtos manufaturados do Brasil, sobretudo os de maior valor agregado (por exemplo, aeronaves e suas partes), e de insumos e equipamentos para sua indústria. Nesse novo contexto, a China, responsável por quase 32% da produção manufatureira global (Estados Unidos 17,4%), poderia inundar o Brasil com produtos baratos. Alguns analistas consideram que a economia global vai entrar em recessão e o dólar vai ficar mais forte provocando aumento da inflação. Ou seja, as eventuais vantagens para o Brasil não compensariam, dado o cenário global incerto, com enfraquecimento do multilateralismo.

Já para os otimistas, será uma oportunidade para o país, uma vez que a taxação maior de outros países pode provocar ganho de competitividade de produtos brasileiros no mercado americano e abrir outros mercados (Sudeste Asiático, Japão e Europa), aumentando as vendas do agronegócio para a China, que tenderá a reduzir suas compras dos Estados Unidos. Além disso, seria possível até mesmo acelerar o acordo Mercosul-União Europeia. Outros analistas apostam na desvalorização global do dólar o que poderia aliviar a inflação ao baratear produtos importados. Ou seja, mesmo que efeitos negativos atinjam o Brasil no curto prazo, eles podem acarretar benefícios nos médio e longo prazo.

As medidas de retaliação que o Brasil possa vir a tomar, num contexto de rivalidade estratégica intensificada entre China-Estados Unidos, também são um fator que pode influenciar as consequências do tarifaço: por exemplo, o Senado Federal aprovou rapidamente, num clima de reação nacionalista, medidas que, se aplicadas, podem ter influência negativa para o país, tais como a majoração de tarifas de importação; suspensão de regimes especiais, revisão de benefícios em direitos de propriedade industrial, como royalties e direitos autorais.

Assim, o tarifaço de Trump impõe ao Brasil um cenário ambivalente de riscos e oportunidades. Seus efeitos dependerão da capacidade do país de se adaptar à nova ordem comercial, enfrentando os desafios sem perder de vista as possíveis vantagens estratégicas que podem emergir desse período de instabilidade global.

 

 

Milei e o Mercosul

Nadia Aguado Benitez[iii]

Com a frase “livre comércio”, podemos facilmente demarcar a posição da atual administração do governo argentino. Na cooperação internacional, isso pode significar diferentes tipos de relações.

Durante a campanha eleitoral de 2023, o então candidato à presidência se expressou como míope na arena internacional. Seus únicos interlocutores propostos eram os Estados Unidos e Israel. Certamente não eram suas propostas de política externa que o público argentino estava analisando quando lhe ofereceu seu voto.

A forte posição de Milei contra o centro e a esquerda do espectro político, juntamente com o estilo imprudente e frontal do novo presidente da Argentina, levou mais de uma vez a um confronto (entre outros) com seu colega brasileiro, apesar dos esforços do agora ex-ministro das Relações Exteriores da Argentina. Por outro lado, assessores e funcionários do governo afirmaram que sua ideia de laços internacionais seria por meio de acordos bilaterais, em vez de acordos de integração ou regionais. Assim, a importância específica que eles atribuíam ao bloco do MERCOSUL foi rapidamente demonstrada. Como em tudo o mais, a dinâmica dos assuntos globais também logo levou a mudanças nessas abordagens unilaterais.

Uma administração focada quase que exclusivamente na macroeconomia sabe muito bem que o principal destino das exportações argentinas é o Brasil, seguido pela União Europeia (consultar Intercambio Comercial Argentino - Año 2024 | Ministerio de Relaciones Exteriores, Comercio Internacional y Culto).

Na Cúpula de julho de 2024, na cidade de Assunção, e sendo sua primeira reunião semestral como Presidente da Argentina, ele decidiu se ausentar devido a um desentendimento verbal com o Presidente da Silva. Compareceu à cúpula seguinte, realizada em dezembro de 2024, em Montevidéu, onde recebeu a presidência pro tempore do bloco com um discurso mais moderado.

Ele fala na primeira pessoa do plural, de países irmãos, do aprofundamento de nossos laços e da promoção do comércio. Isso não o impede de ser crítico. Nesse caso, sim, fiel aos seus próprios dizeres libertários para a própria Argentina, segundo os quais qualquer intervenção de um governo estadual leva a uma piora dos resultados em relação a como eles teriam sido de maneira “livre”. É claro que esse critério não se aplica igualmente a todos.

Nesse caso, o foco está na crítica direta à tarifa externa comum do MERCOSUL e a outras medidas para-tarifárias que resultam no que o presidente argentino descreveu como algo semelhante a uma prisão.

Não é preciso dizer que o acordo político alcançado entre o Mercosul e a União Europeia sobre livre comércio no mesmo dia deu uma visão mais benevolente do bloco sul-americano. Um acordo que, como todos sabemos, ainda está em andamento.

No entanto, como 2025 já começou e a nova administração do governo norte-americano já foi definida, na abertura das sessões do Congresso, no primeiro dia de março, o presidente da Argentina fez uma breve menção ao bloco. Para negociar um acordo comercial com Washington, ele expressou (muito levemente) sua disposição de deixar o Mercosul.

Mas um mês depois, após o “dia da libertação” dos EUA sob a presidência de Trump, algumas coisas mudaram e um novo compromisso com o bloco do sul como instrumento de acesso a grandes mercados está no horizonte da política externa da Argentina.

O que trará a presidência pro tempore da Argentina no bloco até julho de 2025? A proposta do governo é: flexibilização, modernização e um maior compromisso com o livre comércio.

Hoje, o Mercosul não está apenas trabalhando no acordo com a UE ou com o governo dos EUA, mas também está muito próximo de outros acordos, como os da EFTA (Noruega, Islândia, Liechtenstein e Suíça), dos Emirados Árabes Unidos e de El Salvador.

Uma última informação interessante com relação a outras declarações feitas pelo presidente: o acordo relevante com a UE pressupõe que o acordo de Paris é válido.

Com tudo isso, seria interessante que as palavras do discurso da 65ª Cúpula fossem cumpridas: que “ganhemos autonomia, respeitando os acordos que nos unem” (ver Palabras del Presidente de la Nación Javier Milei en la LXV Cumbre del Mercosur, en Montevideo, Uruguay).

 

 

[i] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.

[ii] Professor Titular do Departamento de Relações Internacionais da UERJ.

[iii] Coordenadora de projetos da Fundação Konrad Adenauer na Argentina.

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Reinaldo Themoteo

Reinaldo Themoteo KAS
Coordenador Editorial
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