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Brasil em Foco

Série Brasil em Foco 05/2025

Explicações para o aumento no total de deputados federais no Brasil / Precisamos de um novo Código Civil? / O Papa Leão XIV e a Doutrina Social da Igreja

A edição de maio da série Brasil em Foco apresenta três artigos sobre os seguintes temas: o aumento no número de cadeiras na Câmara dos Deputados, o novo Código Civil, e o Papa Leão XIV e a Doutrina Social da Igreja. A série Brasil em Foco tem por objetivo publicar mensalmente artigos com análises sobre os principais temas em pauta no cenário político, a fim de contribuir no debate democrático.

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Explicações para o aumento no total de deputados federais no Brasil

Humberto Dantas[i]

Desde as eleições de 1994 o Brasil possui 513 representantes na Câmara dos Deputados. O contingente está determinado na Lei Complementar 78/1993, que atende a preceito constitucional do artigo 45. Diz o texto de dezembro daquele ano em seu artigo primeiro: “o número de deputados federais não ultrapassará quinhentos e treze representantes”. E complementa a regra o artigo segundo: “nenhum dos estados membros da Federação terá menos de oito deputados federais”, e o mais populoso será representado por 70. A proporcionalidade não é exata, ou seja, São Paulo, o mais habitado, deveria ter mais de 110 deputados, e Roraima, o menor, deveria ter, arredondando a conta, 2. As razões para isso estão explicadas em conceitos da teoria política e não cabem aqui. O fato: é assim que a lei determina, ou seja, há um critério a ser respeitado.

A lei indica também que o IBGE deve fornecer, no ano anterior às eleições, a estatística das estimativas populacionais atualizada das unidades federativas do país, o que determinaria a cada pleito, o total de deputados federais por estado. Isso foi feito entre 1997, ano anterior às eleições de 1998, e 2021, que antecedeu a eleição mais recente? Não. Portanto, pecamos por omissão à lei.

Em 2005, o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que “estimativas populacionais” não eram suficientes para este cálculo, que deveria ser exclusivamente pautado pelo Censo. Em resumo: mesmo ignorada a letra da lei, é fato que deveríamos ter realizado três revisões na distribuição de deputados federais por estado desde 1993. Consideramos aqui os Censos de 2000, que serviria para a eleição de 2002; o de 2010, que orientaria o pleito de 2014 e; o de 2021 que balizaria a eleição de 2022, ou determinará 2026. Pronto.

Não. Primeiro porque, por volta de 2014, em três ações diferentes, resumidamente o STF considerou inconstitucional o fato de o Tribunal Superior Eleitoral fazer esta contabilidade. Em resumo: caberia ao Legislativo. Mesmo a lei falando em redistribuição seguindo proporcionalidade. Ou seja: isso não é quase uma ciência exata? Precisamos julgar a quem cabe isso? Precisa de algo a mais que uma calculadora? Ao que tudo indica: sim.

Dessa forma, quando a ciência deixa de ser exata e passa a ser entendida como “muito humana”, sob uma cultura de ausência de republicanismo e dificuldade extrema em dizer para alguma parte que proporcionalmente ela perderá representatividade, a solução foi mais do que óbvia à luz dos nossos costumes. Em regime de urgência, numa velocidade extrema e sem qualquer debate amplo com a sociedade, a Câmara dos Deputados aprovou, e enviou ao Senado, projeto que cria 18 vagas para deputados federais para estados que deveriam, proporcionalmente, ganhar. Isso, naturalmente, sem que qualquer outra unidade perca espaço. Com um agravante: as novas composições das bancadas federais dos estados trarão alterações nas assembleias legislativas, pois o total de deputados federais determina, por lei, o volume de deputados estaduais, e esta regra, quando há aumentos desse tipo, certamente será mantida.

Note: a crítica aqui não está associada ao aumento de representatividade, que em alguma medida, e com base em algum critério racional, poderia até ser saudável. Mas sim às soluções fáceis que impossibilitam qualquer decisão madura e simbólica que mostre que numa república, com base em critérios legais e objetivos, alguns perdem e outros ganham. Esse princípio infantil, que aprendemos quando criança, é emblematicamente ignorado no Brasil, sobretudo quando as decisões passam pelas elites políticas e tratam de questões a elas mesmas relacionadas.

 

Precisamos de um novo Código Civil?

José Mário Wanderley Gomes Neto[ii].

Surge agora em várias agendas de debates a questão sobre o Código Civil de 2002 e sobre uma bem encaminhada iniciativa de reforma no Congresso Nacional, materializada no Projeto de Lei n.°4/2025, construído por uma comissão de notáveis juristas e sob os cuidados diretos do Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Por que isso nos importa? Porque o Código Civil é a norma jurídica responsável por regular as relações privadas, isto é, as situações básicas mais próximas a todas as pessoas, desde a compra de seus bens ao casamento, assim como a celebração de contratos das mais diversas naturezas.

Quando se fala em um Código frente às demais espécies de normas jurídicas, alguns elementos essenciais, dentre outros, se fazem presentes: (1) Um código pressupõe a organização lógico-sistemática de regras numa única legislação – em busca de uma coerência formal e substancial – o que demanda no processo de sua criação uma absoluta centralização de ideias, de estilo e de linguagem, muitas vezes concentrada em uma única pessoa. (2) Um Código também pressupõe a elaboração de normas duradouras, pensadas no longo prazo, de modo a conferir um grau adequado de estabilidade e de previsibilidade às relações jurídicas. (3) Por fim, um Código deve focar na definição de conceitos e de regras fechadas, dando mínimas margens à interpretação subjetiva de seu conteúdo.

E o que vemos no referido projeto? (1) Não se trata de meras atualizações pontuais de artigos, mas alterações em aproximadamente setenta por cento do texto do Código Civil de 2002, o que, em substância, caracteriza um novo Código, em curto prazo, desde a promulgação do atual. (2) O projeto se caracteriza por ser uma compilação de propostas de alterações feitas pelos membros da comissão especial e organizadas pelo relator sem uma unicidade teórica e sem necessariamente um diálogo lógico-sistemático com o texto original. (3) Há na proposta inúmeros conceitos jurídicos indeterminados, isto é, expressões sem definição jurídica clara e imediata, que necessariamente serão objeto de preenchimento pela subjetividade judicial, prejudicando a segurança e a estabilidade. (4) Enfim, não há necessidade específica de novos capítulos tratando de fatos e negócios jurídicos envolvendo ambientes virtuais e/ou novas tecnologias: por exemplo, uma compra e venda conserva todas as suas características, seja realizada presencialmente, por telefone, por email ou em ambientes virtuais.

Em suma, o conteúdo do projeto de lei, do jeito que se encontra hoje, possui um forte potencial de gerar mais problemas que benefícios, sendo necessário o debate a seu respeito e sobre a concreta demanda legislativa quanto à sua aprovação.

Há no senso comum um fetiche de que reformas e/ou atualizações legislativas são sempre positivas e benéficas: uma ideia de que o novo sempre virá para apagar os erros do passado e para trazer a inovação e o progresso. Sabemos que nem sempre é assim. Embora haja neste discurso um forte apelo que busca apoios sociais e parlamentares em favor da aprovação do referido projeto, ele não afasta a necessária reflexão sobre as suas características, sobre potenciais efeitos danosos ao ordenamento jurídico e às relações sociais, assim como, sobre as virtudes da norma vigente e sobre sua capacidade de ainda regular com propriedade as relações privadas.

 

O Papa Leão XIV e a Doutrina Social da Igreja

Thais Novaes Cavalcanti[iii]

                O Papa Leão XIV, eleito dia 08 de maio de 2025, apresentou como lema do seu Pontificado “in illo uno, unum”, palavras que Santo Agostinho pronunciou no sermão Exposição sobre Salmo 127, para explicar que “embora nós cristãos sejamos muitos, no único Cristo somos um”. Membro da Ordem de Santo Agostinho (OSA), o Papa Leão XIV fala da unidade em Cristo, de amor e da união entre racionalidade e fé na construção do conhecimento humano iluminado e ampliado pelos horizontes da fé.

                No discurso pronunciado ao Colégio de Cardeais, o Papa Leão XIV explicou que a escolha de seu nome se deu por várias razões, mas a principal delas foi que o Papa Leão XIII (1878-1903), com a Encíclica Rerum Novarum, abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial. Segundo Leão XIV, a Igreja quer oferecer a todos a riqueza de sua doutrina social para responder a outra revolução industrial e ao desenvolvimento da inteligência artificial, temas que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho.[1]

                Já nos primeiros gestos de seu pontificado, o Papa Leão XIV indica que os ensinamentos da Igreja em tempos de crise são fundamentais para reger as ações individuais, como também das diversas organizações da sociedade civil, dos Estados e organismos internacionais. A doutrina social (DSI) é um conjunto de ensinamentos que foram se formando ao longo dos tempos, com diversos documentos escritos pelos Papas, com o objetivo de interpretar a realidade, dando critérios que auxiliem a práxis.

                Como em seu lema, o Papa Leão XIV retoma a natureza da doutrina social, que é a união entre a razão e a fé, entre a cientificidade do pensamento e o reconhecimento da necessidade da fé, como duas asas que auxiliam o equilíbrio das relações entre filosofia e teologia moral. Como afirmava o Papa João Paulo II, a fé e a razão constituem duas asas para enfrentar o maior desafio que a humanidade encontra, a verdade mesma sobre ser-pessoa. (Fides et ratio, n. 42) Para Leão XIV há um caminho novo (rerum novarum) a ser percorrido, nos tempos atuais, para construir justiça nas relações na sociedade digital contemporânea.

                A Encíclica Rerum Novarum (1891) de Leão XIII, inaugura esse caminho, e a partir dela, tantos outros documentos foram escritos: Quadragesimo Anno (1931), Pio XI; Mensagem de Radio (1941), Pio XII; Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963) de João XXIII; Popularum Progressio (1967) e Octagesima Adveniens (1971), Paulo VI; Laborem Excercens (1981), Solicitudo Rei Socialis (1987), Centesimus Annus (1991), João Paulo II; Caritas in Veritatem (2007), Bento XVI; Laudato Sì (2015), Fratelli tutti (2020) Francisco.

                Em 2004, a Igreja buscou sistematizar esse corpo de ensinamentos através da publicação do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, estabelecendo princípios que regem a ação social e política dos cristãos, como o Bem comum, a subsidiariedade, a solidariedade, a participação e a dignidade da pessoa como o princípio dos princípios. (CDSI. n. 124) É neste documento que a doutrina social da Igreja pode ser estudada enquanto teologia moral e ciência política, relacionando os temas da família, do trabalho, dos direitos humanos, da vida econômica, da comunidade internacional e política, da pobreza, do meio ambiente, da paz, dentre tantos outros.

                Quando Leão XIV menciona a Encíclica Rerum Novarum e a questão social frente a Revolução Industrial, ele está indicando a preocupação da Igreja em apresentar diretrizes para a ação do cristão frente às diversas realidades complexas dos tempos atuais. Assim como em outros momentos históricos de grandes mudanças, de guerras, de desafios econômicos e tecnológicos, a doutrina social da Igreja pretende estabelecer balizas para defesa da pessoa em todas suas dimensões. Em tempos de crise e de mudanças significativas sociais, importante equilibrar a racionalidade iluminada pela fé para encontrar caminhos e respostas que não abandonem a pessoa como centro e protagonista, nem Cristo como o centro do pensamento e da unidade do ser humano.

                As palavras Rerum Novarum em latim significam “coisas novas”. O Papa Leão XIV propõe, nesse início de pontificado, um olhar para a doutrina social da Igreja, para que busquemos as “res novae” (o que há de novo) no mundo do trabalho, na economia, na política, na democracia, na inteligência artificial e tantas outras questões atuais, sem retroceder na proteção da pessoa em todas suas dimensões.

 

[1] https://www.vatican.va/content/leo-xiv/pt/speeches/2025/may/documents/20250510-collegio-cardinalizio.html

 

[i] Cientista político, doutor pela USP e parceiro da KAS.

[ii] Professor no PPGD e no PPGDI da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).

[iii] Doutora em Direito, professora da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

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