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Cadernos Adenauer Vol.3/2006: Brasil: o que resta fazer?

Nesta edição dos Cadernos Adenauer discute-se o tema da democracia na América Latina.

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Se eleições são um indicador da democracia, no ano de 2006 confirma-se que, na América Latina, a sua consolidação avançou consideravelmente desde o final dos governos militares. Desde Haiti e Chile – onde, além de tudo, registra-se a vitória inédita de uma mulher, Michelle Bachelet – passando por Costa Rica, El Salvador, Peru, Colômbia, República Dominicana, México, Brasil, Equador e Nicarágua, até as eleições presidenciais na Venezuela, ocorridas no dia 3 de dezembro, doze países latino-americanos realizaram eleições presidenciais ou parlamentares durante o ano 2006. Este fato memorável nos motivou a apresentar análises da maioria destes processos eleitorais na atual edição dos Cadernos Adenauer.

Apesar de fragilidades e problemas, a democracia estabeleceu-se como forma de governo dominante na região. Além disso, a maioria dos países vivencia o seu maior período de democracia. Outros atores políticos como os militares e as elites econômicas perderam seu antigo poder de boicote e destruição dos governos democráticos. Até mesmo graves crises políticas que no passado inevitavelmente levaram a golpes de Estado – como, por exemplo, na Argentina que entre 2001 e 2002 contou cinco presidentes distintos em apenas duas semanas ou, na Bolívia, onde, num só período eleitoral, dois presidentes foram expulsos do cargo depois de protestos em massa da população, em 2003 e 2005 – foram solucionadas por vias democráticas, através de eleições.

A democracia, porém, não apenas revelou-se como método eficaz na eleição de governantes, mas também deu início a outros processos de desenvolvimento político e social. O fortalecimento de candidatos e partidos “de esquerda” nas eleições dos últimos anos, tanto em nível nacional como regional e local, é indicativo desse desenvolvimento. Cidades como São Paulo, Buenos Aires, México, Bogotá e Montevidéu, por exemplo, foram ou ainda estão sendo governadas por esses partidos. Assim eles adquiriram experiência em governar, tiveram a possibilidade de formar seus quadros e, principalmente, ampliaram a sua base social.

A democracia promoveu, também, novos movimentos sociais que atingiram um grande potencial. Embora o poder dos sindicatos tenha enfraquecido consideravelmente e os mesmos tenham perdido parte de sua influência em conseqüência dos processos de ajustes liberais dos anos 90, os processos de descentralização originaram novos movimentos sociais. Muitos desses movimentos atuam principalmente em âmbito local, no entanto, alguns tornaram-se importantes atores nacionais. Ganharam influência, sobretudo através de suas ações contra as reformas (neo-)liberais, como no caso dos piqueteros, na Argentina, e dos movimentos contra a privatização das empresas de abastecimento de água, na Bolívia. Simultaneamente, apoiaram os partidos de esquerda como o Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil, o Movimento para o Socialismo (MAS) na Bolívia ou a Frente Amplio no Uruguai, partidos que, por sua vez, mantiveram estreitas relações com os movimentos. Sem dúvida, porém, os movimentos de maior influência política das últimas duas décadas são os dos indígenas que tanto na Bolívia como no Equador contribuíram decisivamente e mais de uma vez para a queda de presidentes. Na Bolívia, com Evo Morales, um representante destes movimentos chegou até o cargo de presidente da República.

Este quadro da democracia na América Latina que num primeiro olhar se revela como bastante positivo, no entanto, traz em si outras facetas que o obscurecem consideravelmente. Embora as pesquisas de opinião revelem que os latino-americanos consideram a democracia como a melhor forma de governo, a grande maioria mostra-se insatisfeita com o desempenho dos seus sistemas e governos democráticos. Essa insatisfação se refere, sobretudo, à superação da pobreza e da desigualdade social assim como à insegurança pública. Conseqüentemente, um número crescente de latino-americanos – a maioria, em alguns países – aceitaria uma limitação da democracia na medida em que um governo mais “autoritário” lhes proporcionasse uma qualidade de vida mais elevada.

Não há acontecimento que demonstre mais claramente as fragilidades da democracia na América Latina do que o fato de que, desde 1993, nada menos que catorze presidentes eleitos tiveram que entregar o cargo antes do tempo, muitas vezes expulsos pelos protestos das massas. Essa dinâmica é a expressão da insatisfação com as instituições políticas como parlamentos, partidos, administração pública e a justiça, cujo prestígio é muito baixo em quase todos os países. Os partidos, em particular, são considerados incapazes de promover o crescimento econômico e social.

Os sistemas partidários são marcados por precariedade institucional, fragmentação e polarização, e a maioria dos partidos por corrupção, incapacidade de incentivar novas lideranças políticas, pouca transparência, clientelismo e caudilhismo. Além disso, há a ausência de democracia interpartidária e incapacidade de apresentar novas tarefas e desenvolver respostas programáticas às questões mais complexas da sociedade moderna. Mesmo que essas observações possam parecer estereotipadas, a maioria dos latino-americanos concordará com elas sem nenhuma restrição.

Quando as fragilidades dos partidos tornam-se transparentes para praticamente todos, a democracia passa por transformações em diversos países. Essas transformações ocorrem de forma discreta, mas atingem a essência da democracia. As constituições não são suspensas, porém, “reformadas” de maneira que os atuais governantes tenham um poder ainda maior em suas mãos; leis não são descumpridas, porém adaptadas aos interesses específicos do poder; o Executivo amplia suas áreas de atuação às custas da influência e da possibilidade de controle dos parlamentos, elimina tribunais independentes e coloca os juízes sobre sua tutela. Além disso, atores “modernos” como latifundiários, cartéis de entorpecentes e também grupos econômicos e financeiros exercem uma influência considerável no processo político. Por outro lado, alguns movimentos contrários ao sistema, como o MAS na Bolívia, o CONAIE no Equador, os piqueteros na Argentina ou uma parte do Movimento dos Sem Terra (MST) no Brasil aparentam aceitar as regras do jogo democrático somente por motivos táticos.

Essas falhas apontam para problemas graves da institucionalização da democracia que atingem os países em medidas diferentes. Tradicionalmente, Chile, Uruguai, e Colômbia possuem instituições fortes, que também evoluíram no Brasil e no México. Por outro lado, países como Bolívia, Equador e Venezuela, e, de certa forma, Argentina, atualmente vivenciam um processo de “desinstitucionalização”. Trata-se essencialmente de países governados por uma “nova esquerda”.

Não é de todo certo, no entanto, denominá-los como “neopopulistas”, pois, diferentemente dos antigos populistas, são tão preocupados em assegurar condições econômicas estáveis, evitar déficits orçamentários e controlar a inflação, quanto os governos “conservadores”. A “nova esquerda” caracteriza-se, sobretudo, por tratar as instituições democráticas representativas de forma autocrática, na qual a figura do líder situa-se acima das instâncias políticas e as fragiliza. É bastante improvável que, com tal postura, problemas como pobreza, desigualdade, violência, corrupção, repressão de mulheres, abuso sexual de crianças e impunidade de políticos, funcionários do governo ou membros da elite, possam ser combatidos com eficiência.

Com relação à situação dos direitos humanos, também não é possível, de forma alguma, registrar melhoras decisivas. Hoje, porém, as vítimas não são mais os políticos ou os intelectuais e, sim, os pobres a quem são negados os direitos fundamentais e que não têm a possibilidade de mobilizar algum grupo de poderosos em seu favor. Isso demonstra que a democracia não pode restringir-se apenas ao processo das eleições livres e justas. Para sua maior consolidação, a democracia precisa apresentar resultados. Após as promessas durante as campanhas eleitorais, é isto que os latino-americanos esperam daqueles que venceram as eleições de 2006.

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