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O presente político do Brasil e Lula, um pivô em nossa política

BRASIL EM FOCO

Lula reafirmou seu compromisso de participar diretamente das campanhas de alguns candidatos aliados a ele nas eleições municipais de outubro que ocorrem simultaneamente em todas as 5.565 cidades brasileiras. A preocupação de Lula, entretanto, não se restringe a assistir o sucesso de seus políticos preferidos, a despeito de partidos. E o intuito desse texto é, utilizando Lula como personagem central, compreender uma série de questões relevantes para o cotidiano político do país no período recente.

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O presente político do Brasil e Lula, um pivô em nossa política

Humberto Dantas

Luiz Inácio Lula da Silva foi considerado curado de um câncer diagnosticado em sua laringe. Após meses de tratamento os médicos afirmaram que o tumor desapareceu. Parte das pessoas esclarecidas acerca de questões de saúde sabe que uma doença desse tipo não se cura facilmente, precisa de anos de acompanhamento e cuidados. Mas a notícia indica que uma importante fase do tratamento foi vencida. Lula ainda parece bastante debilitado, seus cabelos e sua barba, características marcantes em sua face ainda não voltaram em virtude do tratamento a que foi submetido. O peso perdido pela dificuldade de alimentar-se serve para desvendar uma figura fisicamente frágil. Discursos são poucos, e o caráter enérgico de outrora oferta espaço para aparições mais rápidas, em tom mais pausado. A voz ficou ainda mais rouca, mas as barreiras para o exercício de sua atividade predileta, a política, parecem ter sido em parte removidas.

A volta de Lula está associada ao cotidiano dos brasileiros. Muitos rezavam por esse momento, pediam a Deus por sua saúde. Lula é amado por parcelas da sociedade que admiram sua trajetória pessoal e as políticas sociais implementadas ou estendidas em seu governo. Mas Lula não é unanimidade, e as redes sociais mostraram isso. Entre várias manifestações de mau gosto, campanhas pouco produtivas do ponto de vista ético sugeriam que o ex-presidente fizesse seu tratamento em hospitais públicos, a exemplo da grande maioria do povo brasileiro. Lula escolheu um centro de altíssimo nível, por razões óbvias que suas condições econômicas e sociais permitem.

O anúncio acerca da cura do ex-presidente o trouxe de volta com força expressiva aos holofotes da imprensa e aos bastidores da política. Posições recentes foram bastante contestadas, e Fernando Gabeira, ex-integrante do partido de Lula até os primeiros meses de seu mandato, e ex-deputado federal do Rio de Janeiro pelo Partido Verde chegou a afirmar, em artigo assinado em um dos mais importantes jornais do Brasil – O Estado de S. Paulo, onde é colunista – que uma sabedoria grega afirma que “os Deuses primeiro enlouquecem aqueles que querem destruir”.

Lula reafirmou seu compromisso de participar diretamente das campanhas de alguns candidatos aliados a ele nas eleições municipais de outubro que ocorrem simultaneamente em todas as 5.565 cidades brasileiras. A preocupação de Lula, entretanto, não se restringe a assistir o sucesso de seus políticos preferidos, a despeito de partidos. E o intuito desse texto é, utilizando Lula como personagem central, compreender uma série de questões relevantes para o cotidiano político do país no período recente. Será possível notar que seu desejo de manter controle sobre situações partidárias e políticas tem desafiado tradições e questões de ordem ética e legal.

O plano eleitoral

Coincidências costumam ajudar nossa memória. No Brasil, ano de Copa do Mundo é ano de eleição estadual e federal. Em anos olímpicos realizamos as eleições municipais. Esse ano, os jogos de Londres ocorrem ao mesmo instante em que realizamos o maior pleito brasileiro, mobilizando cerca de 400 mil candidaturas em 5.565 cidades, que escolhem diretamente sob um sistema majoritário seus prefeitos e vice-prefeitos, e sob o sistema proporcional de lista aberta os mais de 60 mil componentes do Legislativo local, chamado de Câmaras de Vereadores. Os parlamentos das cidades são compostos por um mínimo de nove e um máximo de 55 representantes, que no Brasil recebem salários a despeito do porte do município.

Não existe candidatura sem filiação partidária formal. Assim, os 29 partidos políticos brasileiros se espraiam pelo país – na verdade são 30, mas a mais nova legenda brasileira, o PEN (Partido Ecológico Nacional), foi criada em ano eleitoral e a lei não permite que um político que não esteja a doze meses filiado a uma mesma agremiação dispute eleições. Os dez maiores grupos – PP, DEM, PTB e PR à direita; PSDB e PMDB ao centro; PPS, PDT, PSB e PT à esquerda – costumam estar presentes em cerca de quatro mil cidades, sendo a média de legendas por município em eleições majoritárias igual a 12, segundo dados do pleito de 2008. Aos partidos não parece possível controlar, simultaneamente, tantos filiados e diretórios. Assim, em muitos locais, esses grupos mais se assemelham a armaduras utilizadas num combate, o que representa dizer que ideologicamente pode não haver relação entre filiados locais e posicionamentos nacionais. A conveniência ofertaria o tom. Somadas a esse aparente descontrole organizacional, pesquisas de opinião mostram que a credibilidade ofertada pelos brasileiros aos partidos é mínima. Os resultados apontam, faz anos, tais organizações em último lugar em rankings de confiança, atrás das forças armadas, das empresas, das instituições de representação política, das mais diferentes igrejas etc. Além disso, soma-se a esse cenário, uma predileção histórica do brasileiro às pessoas, a despeito de suas organizações. Assim, o culto individual na política está acima das instituições, como mostram dezenas de obras editadas, sobretudo, ao longo do século XX por sociólogos, antropólogos, historiadores e pesquisadores da área de humanas em geral.

Fragmentação e aparente estímulo ao descontrole partidário, desapego ideológico, descrença nas instituições e culto às personalidades transformam a cultura política brasileira em um cenário ideal para a supervalorização do carisma como atributo essencial à vitória. Ao tradicional feel good fator que parece encantar eleitores no mundo inteiro, soma-se o desejo do brasileiro de encontrar um herói, um pai, um salvador. As origens de tal desejo remontam a Dom Sebastião, rei português desaparecido em batalha no final do século XVI e esperado pelo povo como salvador da pátria capaz de livrar as terras lusitanas do domínio espanhol subsequente. O mito do sebastianismo, como ficou conhecido o fenômeno, contamina historicamente a cultura política brasileira.

Lula age muito bem sobre essa realidade. Primeiro por ser um político habilidoso e estar cercado por pessoas preparadas para o exercício desse jogo, segundo por carregar consigo tais valores. A sensação de estar acima das leis em virtude de seu carisma renderam diversos livros de jornalistas que questionam seus discursos e frases contrários à racionalidade legal que nos fala Max Weber como pressuposto de uma sociedade democrática. Avesso às leis ambientais, por exemplo, não foram poucas as suas declarações de insatisfação com a paralisação de obras em virtude da descoberta de espécies raras da fauna e flora ao longo das empreitadas. Contra o combate à corrupção chegou a afirmar que era hipocrisia punir o caixa 2 das campanhas eleitorais, pois não existia disputa que não se utilizasse de tal instrumento. Em 2006, o slogan de sua campanha era “deixa o homem trabalhar”, em clara alusão ao fato de que a despeito das acusações de corrupção que seu governo atravessava desde 2005, ele era merecedor de um novo mandato de presidente porque o país estava avançando. Tais questões moldaram ainda mais seu caráter personalista, sendo possível afirmar que em dimensão nacional Lula é o mais brasileiro dos políticos que tivemos em nossa história.

Com base nesse patrimônio o ex-presidente foi considerado, ao longo de seu governo, e ainda é, maior que o seu partido. Seu carisma, sua forma direta de se comunicar com o povo e a capacidade de agir com base nos valores da sociedade brasileira o tornam um símbolo relevante de nossa cena nacional. Diante de tal questão, e afastado formalmente do poder, o ex-presidente entrou no cenário eleitoral. E para tanto desafiou aspectos centrais de seu próprio partido, apequenado diante da dimensão de seu líder maior ou simplesmente cordato com o fato de que seu principal símbolo também é um cabo eleitoral de grande expressão. Assim, Lula interferiu em cidades relevantes, e ajuda a impor nomes na disputa eleitoral de 2012.

Em São Paulo, maior cidade do país e ponto estratégico na cena política nacional, exigiu que a candidatura à prefeitura fosse do desconhecido Fernando Haddad. Professor do departamento de Ciência Política da USP, o ex-ministro da Educação de seu governo, mantido no mandato de Dilma, nunca disputou uma eleição. Junto ao eleitorado é uma incógnita, e em junho, mesmo após ter aparecido por diversas vezes ao lado de Lula em programas de TV e nos espaços reservados aos partidos nas emissoras de rádio e televisão, ainda registrava menos de 10% das intenções de voto nas pesquisas, junto a um eleitorado que historicamente empresta ao PT algo entre 20% e 30% de espaço nas urnas.

A indicação de Haddad não foi simples. O estatuto do PT oferta grande autonomia às decisões da Executiva Nacional do partido, e a despeito de questões locais, os interesses do grupo estão acima de razões pontuais. Lula tem grande influência sobre a executiva central, e aparece como um dos grandes estrategistas das ações nacionais do partido. Assim, na capital paulista, evitou a disputa de prévias, algo habitual no PT dos anos 90. É comum que o partido se utilize do discurso que em nome de um projeto de nação, certas posições são necessárias. Isso explicou, por exemplo, apoiar a filha de José Sarney, presidente do Senado, nas eleições do Maranhão de2010, em associação que incluía o DEM, a despeito do posicionamento de militantes estaduais históricos que criticam abertamente a família que há anos controla a política local.

Assim, em São Paulo a senadora Marta Suplicy (PT-SP) não teve chances de tentar voltar à prefeitura. Gilberto Kassab – que fundou o PSD em 2011 e abandonou o DEM – não faz um bom governo na cidade, e a ex-prefeita do PT aparecia como nome natural na disputa. Liderou todas as pesquisas até o final de 2011, à frente de nomes como José Serra, que havia lhe derrotado em 2004. Suas chances diminuíram quando de Brasília veio a orientação de que Haddad seria o candidato, sem qualquer possibilidade de consultas internas, em nome de um plano nacional. Marta, que poderia ser uma importante peça na campanha tem resistido a entrar na campanha. Sobretudo quando Gilberto Kassab ameaçou, sob a aprovação de Lula, apoiar a candidatura petista.

Ao longo dos últimos meses não faltaram críticas e apelos à aparição de Marta Suplicy no palanque de Haddad. Recados do tipo: “para aumentar seu espaço nas pesquisas e conquistar votos, Haddad vai ter que gastar muita sola de sapato nas periferias” foi o máximo que se ouviu da senadora que prometia, com base na lógica dos apoios pessoais, entrar na campanha “na hora certa”. O grande problema é que, mais uma vez, Lula se mostrou acima da ordem lógica das realidades partidárias. Conseguiu atrair, amparado no alinhamento federal dos partidos, o PP (Partido Progressista) para a campanha de Haddad. O intuito maior era somar à campanha petista o tempo de rádio e televisão que a lei oferta para cada legenda apresentar seus candidatos à sociedade entre meados de agosto e a eleição em outubro. O problema é que mais uma vez as questões de ordem pessoal impactaram negativamente o cenário imaginado por Lula.

Paulo Maluf foi governador indicado do Estado de São Paulo durante o regime militar e prefeito da capital eleito diretamente em 1992. É um dos 150 maiores contraventores internacionais do sistema financeiro de acordo com lista divulgada pelo Banco Mundial. Procurado pela polícia global com base em acusações feitas pela procuradoria de Nova Iorque, é indicado por movimentar ilicitamente mais de US$140 milhões entre 1993 e 1996, anos que governou a cidade de São Paulo. Em 2005, Maluf chegou a ser preso com seu filho. Em 2006, elegeu-se deputado federal por São Paulo com expressiva votação, fruto de seu carisma, o que o reconduziu à Câmara em 2010. Seu partido é parceiro de primeira ordem do governo federal desde os tempos de Lula, apoiando Dilma e ocupando um importante ministério, o das Cidades. Maluf é adversário do PT em São Paulo, sendo responsável pela construção de um ideário anti-petista na cidade que contava, inclusive ao longo da década de 90, após sua vitória, com a distribuição de adesivos para carros onde se lia a frase: “sorria, o PT não manda mais aqui”, em alusão ao fim do mandato de Luiza Erundina (então no PT), que governara a cidade de 1989 ao fim de 1992. Maluf venceu as eleições desse último ano derrotando Eduardo Suplicy, e perdera o pleito de 1988 para Erundina. Em 1996, impossibilitado de se reeleger em virtude da lei eleitoral vigente até então, conseguiu apoio e venceu as eleições com Celso Pitta, membro de seu secretariado, derrotando Erundina com folga no segundo turno. O novo prefeito se envolveu em escândalos, foi afastado do poder mais de uma vez e dificultou a trajetória política de seu padrinho, que afirmara na campanha: “se Pitta não for um bom prefeito, nunca mais vote em mim”. A despeito de tal situação, em 2000 Maluf ainda disputou, e perdeu, o segundo turno das eleições locais contra Marta Suplicy (PT). Em 2004 e 2008 foi candidato e sem forças para vencer, ficou em terceiro e quarto lugares, respectivamente.

Maluf é adversário local do PT, apesar de o PP apoiar o governo de Lula. Mas o apoio de sua legenda à Haddad em 2012 custou caro aos petistas. O ex-governador de São Paulo exigiu que o ex-presidente fosse à sua casa para que a aliança fosse firmada. E nos jardins de Maluf a imprensa fotografou afagos e sorrisos. Em termos institucionais, apenas a extensão do que ocorre faz anos em Brasília. Em torno das 104 votações nominais de interesse do governo Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados até meados de junho de 2012, por exemplo, a taxa de adesão do PP foi de 92%. O problema é que Lula havia fechado acordo com o PSB (Partido Socialista Brasileiro) em torno de Haddad, e anunciado, dias antes, a escolha da ex-prefeita e hoje deputada federal Luiza Erundina, que deixara o PT em 1997 de forma pouco amigável. O retorno da “velha companheira” era aguardado com festa por alguns, mas a aproximação com Maluf, seu adversário histórico, a fez desistir publicamente do desafio. A reação rendeu desconforto expressivo.

Lula enxerga o PSB como legenda chave para as eleições presidenciais de 2014. O partido presidido pelo governador de Pernambuco, e neto do histórico comunista Miguel Arraes, Eduardo Campos, saiu das eleições de 2010 governando seis estados, a maioria deles (cinco) nas regiões norte e nordeste, onde o PSDB carece de votos. A possibilidade de Campos ser atraído pelos tucanos incomoda o PT. Não à toa, os escândalos de corrupção envolvendo o ministro Fernando Bezerra, do PSB de Pernambuco, não são tratados com o rigor ético que Dilma dispensa a outros parceiros de governo. Além disso, também sob os olhares mais atentos de Lula, o partido autorizou uma coligação que envolve o PSDB na disputa de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, e m torno da reeleição do prefeito Marcio Lacerda (PSB) que havia sido vetada em 2008. Uma das exceções, em termos de grandes cidades é Curitiba, capital do Paraná, onde o prefeito do PSB, que herdou a vaga do titular Beto Richa, que se elegeu governador do estado pelo PSDB, terá que enfrentar o PT nas urnas, que apoia Gustavo Fruet (PDT), ex-deputado federal tucano, combativo opositor a Lula, que perdeu espaço em sua legenda e migrou para o grupo político que hoje angaria o apoio do ex-presidente.

Mas o caso mais emblemático do impacto das estratégias do PT nacional nas eleições municipais talvez passe por Recife, capital de Pernambuco. O atual prefeito é João da Costa, do PT. Seu governo não parece encantar, mas a lei que vigora desde as eleições de 1998 permite que ele tente reeleger-se para mais um mandato. O problema é que o governador do estado Eduardo Campos (PSB) não aceita apoiar Costa, que vencera as prévias do PT e se cacifou para a disputa. A Executiva Nacional, entretanto, chegou a anunciar o nome do ex-ministro da Saúde do governo Lula, e senador por Pernambuco, Humberto Costa. O prefeito João, no entanto, buscou na justiça o direito de consolidar sua candidatura. O imbróglio afastou o PSB no Recife, mas garantiu a consolidação da aliança em São Paulo, mesmo com a saída de Erundina da chapa de Haddad. A complexidade dos acordos que contam com a presença de Lula mostra o quanto o político está disposto a promover costuras na esfera partidária, levando adiante o que considera ideal para a manutenção de seu partido no poder no pleito de 2014. Mas é importante lembrar que as eleições municipais ocorrem simultaneamente em 5.565 cidades, e que apesar de os partidos ofertarem atenção nacional a algumas delas, o quadro de acordos não costuma acompanhar, tal como um espelho, a ordenação nacional das legendas.

Corrupção no passado

Diante dos desafios de organizar seu partido em torno de interesses nacionais Lula tem dado declarações preocupantes aos olhos daqueles que defendem a impessoalidade e a convivência entre partidos de diferentes ideologias como preceitos fundamentais à democracia. Em programa de televisão assistido pelas classes mais populares, e apresentado pelo popular Carlos Massa, conhecido pelo apelido de Ratinho, o ex-presidente afirmou que disputaria as eleições de 2014 se fosse para evitar que o PSDB chegasse novamente ao poder. A declaração foi vista como uma questão de ordem pessoal e trouxe críticas de todas as ordens da oposição e de analistas. Lula insiste na tese de tornar o ambiente político um ringue, onde ele apareceria como um lutador imbatível.

Mas a ida ao programa de Ratinho no SBT carregava, em verdade, outras questões – a despeito de a aparição ter sido feita junto de Fernando Haddad, com o objetivo claro de associar suas imagens e alavancar eleitoralmente seu indicado. Foi sua primeira entrevista ao vivo após o anúncio da cura do câncer. À vontade, seu principal objetivo foi testar sua imagem após algumas denúncias preocupantes envolvendo seu nome.

Dias antes, ainda em maio, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual membro da maior corte do Judiciário brasileiro, ministro Gilmar Mendes, havia afirmado que se encontrara com Lula a pedido de Nelson Jobim – ex-deputado federal, ex-integrante do STF e ex-ministro da Defesa de Lula e Dilma, que saíra do governo após declarar que em 2010 votara em José Serra (PSBD) para presidente da República. Nas palavras de Mendes, Lula havia solicitado o encontro para convencer o magistrado de inocentar, ou pelo menos retardar ao máximo, o julgamento do Mensalão no STF, marcado para ocorrer em agosto e terminar em setembro – véspera das eleições municipais.

O Mensalão, denunciado em 2005, foi o principal escândalo ocorrido ao longo do governo de Lula. À época, seu partido foi acusado de oferecer valores mensais – batizados de mensalão pelo então aliado e presidente do PTB, Roberto Jefferson – a parlamentares de legendas de direita componentes de sua base de sustentação no Congresso Nacional, em troca de apoio em votações importantes. O caso rendeu diversas Comissões Parlamentares de Inquérito no Congresso Nacional e resultou na cassação dos mandatos de pessoas relevantes ligadas a Lula, dentre elas o então ministro-chefe da Casa Civil e deputado federal José Dirceu. Não foram poucos os membros da oposição que à época sugeriram o impeachment de Lula – que se defendia afirmando não ter conhecimento acerca de nada daquilo. As investigações esfriaram quando se percebeu que o mesmo dinheiro que supostamente comprava parlamentares alimentava campanhas políticas de forma irregular, dentre elas algumas associadas ao PSDB de Minas Gerais, principal partido de oposição.

Os esforços da defesa do PT então se concentraram em afirmar que crimes como o caixa 2 de campanha foram praticados e são comuns a todas as legendas, mas o mensalão, palavra que entrou para o dicionário brasileiro, não foi assumido como verdadeiro. O processo que provavelmente vai a julgamento no STF em agosto desse ano, portanto sete anos depois, carrega 38 nomes ligados ao governo de Lula, que segundo as declarações de Mendes, estaria buscando um modo de evitar condenações que lhe renderiam a pecha de corrupto e reduziriam a força de sua legenda. Em troca do apoio de Mendes às suas reivindicações, Lula teria declarado poder suficiente para barrar investigações do Congresso Nacional que envolveriam o ministro do STF.

O encontro entre Lula, Jobim e Mendes de fato ocorreu, mas as principais dúvidas recaíram sobre a veracidade dos temas tratados e trazido à público por Mendes. Jobim negou, Lula negou e o acusador confirmou. Sua conduta é questionada por ser membro do Judiciário: deveria ter dado voz de prisão àquele cidadão que tentara chantageá-lo? Além disso, seu envolvimento em outros casos é conhecido. Suas atitudes como magistrado foram questionadas, inclusive, por pares. Mendes ofereceu, em 2008, um habeas corpus em plena madrugada para livrar da cadeia o banqueiro Daniel Dantas – arrolado na mesma lista do Banco Mundial que elenca Paulo Maluf como contraventor internacional. Em discussão com o ministro Joaquim Barbosa, Mendes teria ouvido do colega que possui capangas (criminosos que costumam proteger à força seus patrões) no interior do Mato Grosso, seu estado de origem.

Corrupção no presente

No Congresso Nacional uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) envolvendo membros do governo e da oposição, e batizada de CPMI do Cachoeira, investiga questões ligadas às ações de um contraventor que atuava prioritariamente no estado de Goiás. Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira, notabilizou-se por chefiar quadrilhas associadas a jogos de azar – prática ilegal no Brasil. Sua ligação com o senador goiano Demóstenes Torres (expulso do DEM), maior expoente da oposição ao governo Lula no Congresso Nacional, levou o ex-presidente a insistir na tese de que a CPMI deveria ser instalada no Legislativo Federal. Seu objetivo maior era ver Torres cassado. Assim, Lula seria, aos olhos de alguns analistas, o grande fiador da instalação da comissão, com poder, inclusive, de convencer a presidente Dilma da relevância política de tal gesto e impactar sobre suas decisões de apoiar a ação.

Dos cálculos de Lula, no entanto, escapou o fato de que Cachoeira possui, aparentemente, uma rede expressivamente mais complexa de atividades ilegais. Nesse conjunto, destacam-se supostas ligações com uma empreiteira chamada Delta Construções, cujo proprietário, o engenheiro Fernando Cavendish, é amigo do governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, filiado ao PMDB, legenda do vice-presidente da República Michel Temer. Além disso, a Delta é a empresa que em 2011 mais recebeu recursos do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), programa lançado e administrado pela então ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula, Dilma Rousseff, apelidada ao longo dos anos que foi cotada para ser candidata ao cargo que ocupa hoje de “Mãe do PAC”. Além disso, dados do portal Transparência Brasil sobre doações de campanha apontam que a Delta só fez um aporte em 2010, justamente na campanha de Rousseff em valor que supera R$1 milhão.

Além de envolver a Delta Construções, a CPMI do Cachoeira atingiu dois governadores de lados opostos ao governo federal: o comandante de Goiás Marconi Perillo, do PSDB, e o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, do PT. Contra ambos e seus governos pesam acusações expressivas de envolvimento em casos de corrupção que vão além dos interesses de Carlos Augusto Ramos e mesmo do período recente. Agnelo, por exemplo, foi ministro dos Esportes no governo Lula e comandou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), importante órgão ligado ao Ministério da Saúde, sendo acusado de ilicitudes desde essa época. Ambos prestaram depoimentos na CPMI e seus discursos foram marcados por frases de efeito, apupos de correligionários, aplausos apaixonados e pessoas contratadas para acompanharem a sessão e apoiarem as principais declarações. Em forte clima de corporativismo, parte expressiva dos depoimentos tem sido marcada pela sensação de que existem temas e pessoas que serão poupados.

O governador do Rio de Janeiro, por exemplo, não terá que explicar suas ligações com a Delta. Em meios aos trabalhos da CMPI o deputado do PT de São Paulo, Cândido Vacarezza, foi flagrado pela câmera de uma emissora de televisão garantindo que o clima hostil entre PMDB e PT naquele dia não estragaria a relação de cumplicidade e proteção entre ambos. No mesmo ritmo, Fernando Cavendish também foi isentado de prestar esclarecimentos. E a sensação de impunidade se acentua a ponto de o senador Demóstenes Torres nutrir esperanças de ser inocentado. Em processo paralelo que corre no comitê de ética do Senado, o relatório de Humberto Costa (PT-PE) pede por sua cassação, mas como a decisão é tomada em votação secreta por seus pares em plenário, há quem aposte em chances de nada ocorrer. O Congresso, em breve, paralisará suas atividades em virtude de temas considerados relevantes para o país e, principalmente, para os interesses dos parlamentares. Falamos especificamente da Rio+20, das festas juninas e das eleições de outubro. Deputados federais e senadores costumam concorrer em suas cidades e regiões de origem, ou pelo menos se envolvem diretamente em tais disputas para garantir o apoio de prefeitos eleitos em seus processos de reeleição dois anos depois. Uma das formas de aparecer aos olhos do cidadão comum é marcando presença em festas tradicionais de homenagem a São João, sobretudo em cidades do interior. Tal data marca, em anos eleitorais, uma espécie de início do que se costuma chamar de “recesso branco”, quando o Congresso se restringe a poucos temas até o final das eleições em outubro para permitir que seus membros se envolvam nas eleições sem perderem salários e benefícios.

Desafios do país

Diante de tais fatos, é possível apostar em esfriamento do ímpeto investigativo do Congresso Nacional, e na baixa capacidade de punição dos envolvidos nos recentes escândalos. A Rio+20 foi vista como uma reunião menos produtiva do que esperava, e o papel do Brasil como liderança em posições ambientais é posto em cheque por ambientalistas. Nesse sentido, acredita-se pouco no papel edificante do encontro, sobretudo com base em relatórios da ONU que mostram que das 90 metas e acordos estabelecidos para o planeta nos últimos 40 anos, apenas quatro atingiram níveis considerados satisfatórios de avanço: o fim da produção de substâncias que destroem a camada de ozônio, a eliminação do chumbo em comestíveis, a melhoria do acesso à água e as pesquisas para redução da poluição. A despeito de tal condição, o encontro sobre o Meio Ambiente serviu, literalmente, para esfriar o clima do debate sobre a CPMI do Cachoeira.

Além das críticas ao Brasil com relação à Rio+20, existem ainda os desafios associados à descrença na capacidade de o país organizar importantes eventos internacionais nos próximos anos. Dentre elas, a Jornada Mundial da Juventude com a presença do Papa Bento XVI no Rio de Janeiro em 2013; a Copa das Confederações em 2013; a Copa do Mundo de 2014 em um número recorde de cidades-sede; e as Olimpíadas de 2016. No encontro do Meio Ambiente já ficou claro que o governo terá que intervir em mercados como o hoteleiro. As tarifas de hospedagem no Rio de Janeiro atingiram valores proibitivos e evidenciaram o déficit de conforto e bem estar ao turista. O Brasil, inclusive, chegou a comemorar, nas últimas semanas, declarações oficiais da FIFA de que já não se importa se o país realizará a Copa do Mundo, em termos estruturais, que prometera. O importante, no caso brasileiro, a exemplo da África do Sul, será realizar um evento que ofereça o mínimo em relação aos estádios. Tal declaração, que já havia sido adiantada informalmente por um consultor português que participou das organizações da EURO-2004 em Portugal, o campeonato de seleções do continente, alegrou os dirigentes brasileiros.

Mais aliviado com a Copa e suas exigências atenuadas, o governo luta para conter os efeitos da crise econômica mundial que parecem, como nunca, darem o ar da graça no país. Dilma Rousseff e sua equipe econômica são acusadas de utilizar fórmulas velhas, postas em práticas de forma eficiente em 2008, de incentivo a setores específicos do consumo. A despeito de tais observações, o governo tem baixado de forma significativa os juros no país, esperando que com isso haja estímulo ao investimento e aquecimento do mercado, sobretudo de empregos. A questão, entretanto, é compreender em que medida as ações surtirão efeitos. Na política, o esfriamento pode representar problemas para o governo em 2014, e não à toa Lula se mostra tão preocupado, afinal de contas, como agente estratégico na conjuntura do país, seu principal objetivo é manter o PT no poder, mesmo que para isso tenha que se ocupar pessoalmente de derrotar novamente os tucanos. Conseguiria? Seria ele um herói? Estaria imune aos efeitos de seu estado de saúde e, mais, dos efeitos que a crise pode causar nas conquistas dos últimos anos?

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